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“Ciências Exatas Contemporâneas”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Disponível
em http://www.cienciasexatascontemporaneas.blogspot.com.br
RESUMO
Analisa-se a evolução das concepções
didáticas de futuros professores em uma disciplina de reflexão sobre a prática docente
oferecida no primeiro semestre de um curso de licenciatura em Ciências Exatas.
Esta disciplina forma, com outras três, os
chamados Laboratórios de Ensino
de Ciências Exatas que compõem a parte prático-pedagógica do
currículo, conforme propugnam as novas diretrizes para a formação de professores. Os dados
colhidos, oriundos de materiais individuais e coletivos produzidos durante as
aulas, foram analisados textualmente segundo níveis de desenvolvimento
profissional esperados, tendo em vista a proposta formativa implementada e a pesquisa mais ampla a que esta se insere. Conclui-se haver
uma evolução significativa das concepções do ponto de vista atitudinal e evoluções
menores do ponto de vista procedimental e conceitual.
INTRODUÇÃO
Pesquisas têm mostrado que
os futuros professores
apresentam idéias sobre
ensino e aprendizagem antes de iniciar seu processo de formação. Estas, em
geral, são reflexos do tipo de
aula a que
estiveram submetidos em
sua vida escolar
e isto explicaria
sua estabilidade e resistência à mudança (Jorame Grabiele,
1998).
Portanto, a nossa concepção formativa
considera que o conhecimento
profissional dos professores está em permanente evolução e não parte de
zero, isto é, existe um conhecimento didático prévio
(Harres, 2001). Por
isso, os processos
de formação inicial
(e permanente) devem estar
orientados para uma mudança gradativa desse conhecimento.
Vimos
investigando o desenvolvimento da
proposta curricular inovadora
no curso de licenciatura em Ciências Exatas do Centro
Universitário UNIVATES. Este curso habilita para as disciplinas de Física,
Química e Matemática, esta última também para o Ensino Fundamental. Além da integração inédita de habilitações,
o curso inova na vinculação entre teoria e prática na formação profissional,
pois já nos primeiros semestres aparecem quatro disciplinas denominadas de Laboratórios
de Ensino de Ciências Exatas - LECs (Harres, 2005).
Essas disciplinas buscam integrar o conhecimento
específico da área com a dimensão pedagógica da
atuação docente e estão
estruturadas para oportunizar
os primeiros passos
do futuro professor em direção a
uma postura reflexiva, crítica, aberta
à mudança e em permanente evolução profissional. Isto é propiciado através da
discussão, reflexão e estudo do que chamamos de Problemas Práticos
Profissionais – PPPs.
Assim, esta pesquisa analisa a evolução
inicial das concepções didáticas de futuros professores, em contraste com uma
hipótese de progressão (Harres, 2003) sobre o seu desenvolvimento profissional,
após cursarem a disciplina de LEC I que ocorre no primeiro semestre do
curso. Esta disciplina propõe a
investigação de dois PPPs: “Como vem sendo e como deveriam ser as aulas de
ciências exatas?” e “Que modelo didático parece ser mais adequado para o ensino
de ciências exatas?”.
Concretamente, as atividades
desenvolvidas, na mesma linha de Porlán (1998), pretendem que os estudantes de
licenciatura desenvolvam um modelo didático pessoal através da construção de
categorias e esquemas próprios da futura prática profissional. Por isso, as análises
centram-se na caracterização dos obstáculos e avanços identificados nesta
evolução inicial, situando-os no contexto mais amplo do desenvolvimento
profissional desejável a longo prazo e também na perspectiva de avaliarmos a proposta
formativa implementada.
QUADRO
TEÓRICO DE REFERÊNCIA
Como primeiro nível do desenvolvimento profissional,
consideramos que os futuros professores podem apresentar uma rejeição ao ensino
tradicional, propondo metodologias variadas e com conteúdos ligados à realidade
dos estudantes, relevantes para a sua vida e instigadores da curiosidade e da
motivação, num ambiente democrático e mais humano.
Em direção a concepções didáticas mais elaboradas,
em um nível intermediário de desenvolvimento, agrega-se à vontade (atitude) de mudar
a educação, algumas capacidades (procedimentos) e idéias (conceitos) que já permitem
superar reducionismos como “aula boa/aula ruim”, embora ainda apresentem incoerências
nestas concepções.
Neste nível, as concepções didáticas
podem se situar, novamente, entre dois pólos: um mais tecnicista e outro mais ideológico
o que caracterizaria, respectivamente, o modelo didático tecnológico e o modelo
didático espontaneísta de Porlán (1993).
No pólo tecnicista, os futuros professores tendem a propor um maior rigor
no desenvolvimento das aulas através de planejamentos mais apurados dos conteúdos,
os quais são mais adequadamente selecionados. No outro pólo, pode-se defender um
seguimento mais enfático dos interesses dos alunos e da necessidade de que
vivam mais livremente as atividades escolares.
A longo prazo, no nível mais alto de
desenvolvimento profissional, as
concepções didáticas envolveram uma integração dos dois pólos de
tensão do nível
anterior. Concretamente, caracterizando o que Porlán (1993) identifica
como modelo didático investigativo, seria desejável uma integração entre o que
o professor considera relevante e o que o
aluno entende como interessante
e útil, implementada através de problemas
conectados com o meio social e natural
dos alunos e professores e, metodologicamente,
investigados e tal forma que favoreçam a
construção progressiva de conhecimentos diversos e de atitudes de negociação, solidariedade,
participação, etc.
Muitas pesquisas têm mostrado ser pouco provável
que este nível seja alcançado ao fim de apenas uma disciplina ou mesmo ao fim do
curso de licenciatura (Hewson e outros, 1999). Por isso, toma-se este nível
apenas como uma referência em torno da qual as atividades formativas são
estruturadas e avaliadas.
METODOLOGIA
DA PESQUISA
Para o acompanhamento da disciplina, são realizadas pelos alunos
tarefas de reflexão, observação de
aulas e leituras,
que são registradas
no caderno pessoal,
onde também
devem constar os próprios
pontos de vista
sobre os problemas
analisados, os dados
e outras informações. Os cadernos são entregues ao final
do semestre para
o professor. Destes selecionamos aleatoriamente doze
para análise da
produção textual em
relação aos referenciais adotados,
buscando perceber em
que medida as
atividades contribuem para
uma evolução das concepções
didáticas dos futuros
professores. A interpretação dos
dados, tal como sugere Porlán (1989), foi sendo direcionada para as hipóteses
de partida e, estas, por sua vez, contextualizadas de acordo com os dados obtidos.
RELATO
E ANÁLISE DOS PROBLEMAS
1º PPP: “Como vêm sendo e como deveriam ser
as aulas de Ciências Exatas?”
Como primeira atividade da disciplina, é
solicitado que cada aluno
descreva no caderno pessoal
duas experiências escolares:
uma que tenha
sido vivida como
motivadora e rica em aprendizagem
e outra ao contrário. Depois, reunidos em grupos, os alunos discutemos relatos feitos,
contrastando as semelhanças e divergências.
As conclusões a que chegam são relatadas ao grande grupo e reunidas na forma
de síntese pelo professor.
Nos relatos individuais, destaca-se um
convívio constante com um modelo
tradicional de ensino, e
as descrições das
experiências relacionadas já
trazem consigo posições marcadamente
de desagrado a esse modelo, como primeiro movimento atitudinal. Como experiência
positiva em suas vivências
escolares, eles descrevem,
embora com menos detalhes e menor
freqüência, professores com bom domínio de conteúdo, atualizados e desenvolvendo
um ensino atraente.
Porém, parece que,
neste momento, defendem
uma visão implícita de que
caberia ao professor apenas transmitir
de forma clara os conhecimentos e ao aluno recebê-los.
Tal como encontra Mellado (1996), nos
relatos prevalecem comentários
referentes às metodologias e ao
ambiente de trabalho em sala de aula, centrados na motivação para ensinar ciências através
de curiosidades, problemas
atuais e questões
que tenham relação
com o cotidiano. Também fica clara
a ênfase na
relação professor-aluno, a
importância das metodologias diversificadas e
da participação dos
alunos nas aulas,
caracterizando o que Azcárate (1999) denomina de
metodologias duais. Coerente com isso, os futuros professores, ao serem
questionados sobre as
suas preocupações naquele
momento, assinalam o
desejo de adquiriro máximo possível
de conhecimento.
Considerando que a atividade propõe uma produção
textual livre, podemos perceber que os estudantes conseguem descrever suas vivências
e posicionar-se em relação a elas com alguma facilidade. Percebemos, também, o desenvolvimento
de uma atitude positiva em relação à necessidade de mudança da educação e atitude
crítica quanto à escolha da futura profissão e área de atuação. Contudo, essa atividade também dá liberdade aos
alunos de não apresentarem posições totalmente coerentes com algum dos modelos didáticos.
Na segunda atividade são analisados dez
depoimentos (alguns fictícios) de estudantes sobre seus estágios. Estes depoimentos
pretendem, de algum modo, serem representativos de uma visão geral dos licenciandos
sobre a escola atual. Propõe-se a cada aluno
a leitura e posicionamento quanto às idéias centrais dos textos apresentados, destacando
os pontos em que concorda ou discorda. Diferente da atividade anterior, esta pretende
desenvolver a habilidade de argumentação frente a uma posição tomada em relação
a situações determinadas, buscando uma melhor diferenciação das características
dos modelos didáticos tradicional e alternativo.
Quanto ao fato dos professores se
basearem estritamente num livro-texto, idéia central de um dos depoimentos, os futuros
professores defendem que os alunos devem ser ativos nas aulas, fazer
experiências, visualizando a teoria tratada nos livros. Porém, não fica clara
como seria essa participação: se o aluno somente faria a verificação da explicação
do professor através das experiências, se esta seria dirigida pelo professor ou,
ainda, se o professor seria somente um orientador.
Esta atividade favorece, entre outros aspectos,
que os futuros professores reflitam sobre o que os alunos pensam, se eles têm
algum conhecimento sobre o conteúdo a ser trabalhado e como este
conhecimento pode ser utilizado
na hora de planejar as aulas. Alguns dos comentários analisados
valorizam a importância da participação dos alunos na organização, elaboração e
desenvolvimento das aulas. Em relação à avaliação,
os futuros professores comentam que não
concordam em avaliar somente o
produto, mas também o processo de construção do conhecimento.
Devido à atividade propor a análise de alguns
casos com características didáticas diferentes, os estudantes se posicionam e desenvolvem
argumentos de uma maneira mais sistemática. Além disso, nos comentários dos dez
depoimentos, como críticas ao modelo tradicional de ensino, pode-se perceber o surgimento
de certo modelo de professor desejável.
2º
PPP: “Que modelo didático parece ser mais adequado para o ensino de Ciências
Exatas”
Como resultado das tarefas anteriores,
na atividade três cada aluno elabora uma síntese das suas conclusões em um quadro
geral organizado em cinco categorias (conteúdos, metodologia, avaliação, ambiente
de trabalho e princípios educativos) e com dupla entrada (“como é” e “como deveria
ser” o ensino de Ciências Exatas).
Após a atividade individual, os alunos discutem
o “como é?” e o “como deveria ser?” em grupos, elaborando uma versão do grupo.
Em seguida, os grupos apresentam suas conclusões para serem analisadas e comparadas
com os demais, buscando uma síntese dos modelos didáticos. A atividade pretende alcançar uma maior
compreensão sobre os diferentes aspectos de um modelo didático e, ao mesmo
tempo, uma tomada de consciência das próprias idéias e dos problemas da educação.
Da mesma forma apontada por Porlán e Rivero
(1998), o “como é” dos alunos caracteriza uma realidade escolar marcada pela forma
tradicional de ensinar na qual prevalecem as exposições e explicações do
professor. Ao final da disciplina o “como deveria ser” aparece próximo a uma
postura de suscitar maior motivação do aluno, partindo dos seus interesses e desenvolvendo
conteúdos significativos para a sua vida. A quarta atividade tem a intenção de propiciar
um primeiro contato dos futuros professores com a realidade de sala de aula,
associando-a a uma situação de auto-avaliação da capacidade de aplicação dos
conceitos teóricos sobre os modelos didáticos estudados.
Basicamente, a atividade propõe que cada
aluno tente identificar a qual dos modelos didáticos estudados mais se aproxima
a aula observada. Para orientar essas observações, os alunos recebem algumas perguntas
orientadoras para cada uma das mesmas categorias da atividade três de um modelo
didático.
Os alunos registram em seu caderno pessoal
os detalhes da aula observada, as impressões pessoais e a categorização do modelo
didático evidenciado segundo os aspectos anteriormente escolhidos.
Verifica-se que a grande maioria dos
futuros professores aponta terem observado aulas de cunho eminentemente tradicional.
Outros relatam ter presenciado aulas coerentes com o modelo didático
espontaneísta, embora os aspectos inovadores identificados pareçam apontar preocupações
fundamentalmente com o interesse e a motivação dos alunos para a criação de um ambiente
democrático e gratificante para todos.
Os relatos minoritários identificados com
o modelo didático espontaneísta e alternativo evidenciam
uma dificuldade dos futuros
professores em operarem com o
conceito de modelo didático frente numa situação real.
A atividade cinco, outra de aproximação à
prática, constitui-se num seminário envolvendo troca de experiências com outros
alunos do curso que já atuam em sala de aula. Esta atividade serve para diminuir
a ansiedade dos estudantes quanto às inevitáveis dificuldades que encontrarão
no início da carreira.
Ela favorece que os alunos percebam que
a realidade da educação pode contrastar com aquela idealizada nas aulas de ensino,
ao mesmo tempo em que mostra que os desejos expressados no “como deveria ser” não
são inatingíveis.
As manifestações sobre esta atividade
são altamente positivas. Parece que ela fomenta, principalmente para aqueles que
nunca lecionaram e não têm nenhuma experiência como professor, a vontade de
envolver-se com a prática de sala de aula o mais brevemente possível.
Como avaliação final da disciplina, é
solicitado a cada aluno uma reflexão sobre:
(i) a evolução própria na
maneira de pensar
o ensino de
Física, Matemática e
Química; (ii) a participação, o
esforço e o interesse ao
longo da disciplina;
(iii) os aspectos
positivos e negativos de
diferentes aspectos do
processo (papel do
aluno, papel do
professor, trabalho coletivo,
conteúdos); (iv) possíveis recomendações para a disciplina seguinte (LECII).
Quanto aos avanços, verifica-seque os
alunos rompem inicialmente com as dicotomias aula boa-aula má, professor
bom-professor ruim e já apresentam alguma evolução no modelo didático pessoal
na medida em que defendem uma superação do modelo tradicional de ensino, integrando
alguns elementos críticos e contextuais (espontâneos).
Do ponto de vista atitudinal, percebe-se
que os futuros professores expressam um avanço na sua capacidade de reflexão, associada a uma alta motivação
profissional. Quanto à metodologia utilizada pelo professor, é altamente valorado
pelos alunos o fato de
poderem avaliar e questionar o andamento das aulas, de ser levado em
conta as suas experiências e suas idéias. Igualmente, recebem destaque as atividades relacionadas diretamente
com a prática docente, os
trabalhos e discussões
em pequeno e
grande grupo e
a adoção de
uma avaliação não sancionadora.
CONCLUSÕES
FINAIS
De modo geral, percebemos que as atividades
desenvolvidas na disciplina investigada promovem certa evolução, das concepções
didáticas dos futuros professores. Em termos conceituais, ainda há certa dissociação
entre teoria e prática, revelada pela inadequação da aplicação dos conceitos teóricos
estudados em contextos concretos. Constata-se, também, que embora o discurso sobre
modelos didáticos mais evoluídos tenha sido razoavelmente incorporado, os
esquemas de ação propostos situam-se ainda próximos dos tradicionais, além de que as concepções explicitadas nem sempre apresentam uma coerência interna
com os modelos didáticos estudados.
Assim, apesar de pequeno, o avanço conceitual dos futuros professores é importante,
pois se trata de uma primeira elaboração necessária para as construções seguintes.
Em termos procedimentais, verifica-se que
os futuros professores desenvolvem razoavelmente a habilidade da escrita, principalmente
pelo uso sistemático do caderno de trabalho pessoal. Porém, o pequeno aprofundamento
da produção textual constatada nos cadernos, principalmente no que se refere às
argumentações, pode ser decorrente da própria estrutura das atividades, que não
exigia uma produção mais consistente, e sim
uma expressão livre de idéias. Contudo, o fato dos estudantes
conseguirem expressar suas idéias
sob forma oral ou escrita pode ser considerado um avanço, uma vez que a
disciplina ocorre no primeiro semestre do curso, e que, infelizmente, a maior parte
dos estudantes recém ingressos nas universidades não desenvolveram muito tais habilidades
anteriormente.
Completando a avaliação da evolução das três
dimensões do conhecimento profissional investigado, identifica-se um significativo
avanço nas atitudes dos futuros professores quanto a serem conscientes das próprias
idéias e de como elas vão mudando, a serem críticos quanto a escolha da futura profissão,
a comprometerem-se com a necessidade de mudança da educação e, finalmente, quanto
a serem conscientes da permanente evolução profissional e da própria responsabilidade
nesse processo. Mesmo que os avanços identificados
situem-se ainda no nível declarativo e distante da prática, principalmente em termos
atitudinais e procedimentais eles são significativos.
Como avaliação geral, pode-se afirmar
que há evidências de que a estratégia formativa proposta, ainda que dentro do âmbito
parcial de uma disciplina, pode produzir uma evolução inicial significativa nas
concepções didáticas dos futuros professores. Isto indica ser válido desenvolver,
já no início da licenciatura, a capacidade de relacionar conhecimentos de cunho
mais teórico com os de cunho mais prático.
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Fonte: http://miltonborba.org/CD/Interdisciplinaridade/Encontro_Gaucho_Ed_Matem/cientificos/CC41.pdf
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