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CIÊNCIAS EXATAS CONTEMPORÂNEAS, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Disponível
em http://cienciasexatascontemporaneas.blogspot.com.br/
Autoria:
Odécio Sanches; Cristina M. C. Amarante;
Takumi Iguchi - Departamento
de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Escola Nacional de Saúde
Pública.
RESUMO
Baseados na experiência vivenciada em várias
instituições e, em particular, numa experiência em andamento, os autores
discutem a questão do assessoramento estatístico a pesquisadores nas áreas que
compõem as ciências da vida. Fazendo um breve comentário da evolução dos
métodos e procedimentos estatísticos aplicados às ciências da vida, justificam
a consolidação da Bioestatística como área específica. Discutem as vantagens e
desvantagens de vários tipos de estruturas de assessoramento estatístico que,
obviamente, podem ser estendidas a outros tipos de assessoramento. Apresentam a
proposta de uma experiência, em andamento, de criação de um Laboratório de
Estatística Aplicada na ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública) e terminam por
apresentar algumas recomendações.
INTRODUÇÃO
Na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), a
partir de maio de 1989, por iniciativa de três membros componentes do Setor de
Estatística do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde
(DEMQS) e como parte de proposta de trabalho de professores visitantes, se
inicia a instalação de um Laboratório de Estatística Aplicada (LEA), com
múltiplos objetivos, a partir de atividades iniciais de assessoria estatística
a pesquisadores da instituição, atividades estas que já vinham sendo
desempenhadas de modo quase informal.
Em muitas instituições acadêmicas e/ou centros de
pesquisa, as comissões constituídas para avaliação interna não consideram como
relevantes as atividades de assessoramento estatístico.
O objetivo deste trabalho não é discutir os
critérios de avaliação de tais comissões, o que não tem sentido como
publicação, já que se trata de uma questão específica e interna a cada
instituição. O que pretendemos evidenciar, a partir dessa motivação, é o papel
do assessoramento estatístico no controle de qualidade da análise de dados de pesquisa,
em particular nas ciências da vida, e a posição dessa atividade diante daquelas
de ensino, pesquisa e extensão de serviços, que são as atividades suportes de
tais instituições.
ESTATÍSTICA E BIOESTATÍSTICA: UM POUCO DE HISTÓRIA
De modo sintético, pode-se registrar a Estatística
como um conjunto de métodos e procedimentos para o tratamento, com fins
descritivos e/ou inferências, de um conjunto de dados onde a incerteza,
inerente à variabilidade aleatória, se faz presente. Neste sentido, não é nenhuma
heresia afirmar que a Estatística não produz conhecimento, mas é de fundamental
importância a sua atuação na produção de conhecimento numa imensa variedade de
áreas.
Historicamente, operações de contagem de pessoas e
avaliação de bens pessoais, isto é, atividades que hoje fazem parte de um censo
populacional e econômico, eram já realizadas, de modo incipiente, no Egito do
tempo dos faraós, na Grécia antiga e no Império Romano como atividades de
interesse do Estado, seja com enfoque econômico associado à cobrança de taxas e
impostos, seja para o controle da produção e distribuição de alimentos e/ou
outros tipos de riquezas, seja por questões de segurança, no sentido de
detectar quantos eram e onde estavam os potenciais inimigos representados pelos
povos subjugados. Enfim, por alguma razão, sempre houve interesse em se
conhecer o status populacional. Aí a origem da palavra Estatística.
Em Yule & Kendall (1937) e em Berquó et al.
(1980) podemos encontrar descrições detalhadas dos traços históricos, assim
como um indicativo de textos onde aparecem, pela primeira vez, a palavra Estatística.
A partir do início deste século, a demanda por
pesquisas com um maior embasamento científico-metodológico, principalmente nas
áreas de genética, de agronomia e de antropologia, levou à criação de novos
procedimentos de planejamento de investigação e de análise de dados na presença
da variabilidade aleatória. Neste particular, surge com destaque o trabalho do
matemático inglês Sir Ronald A. Fisher, a partir da década de 20, junto a
pesquisadores em agronomia, na estação experimental de Rothanstead. Foi o
verdadeiro trabalho de construção da Estatística, ao qual estão fortemente
associados, também, os nomes de J. Neyman e E. S. Pearson. Também, na década de
30, o matemático probabilista russo A. N. Kolmogorov formaliza a teoria moderna
de probabilidades como uma teoria axiomática.
Todo este instrumental se consolida durante as
décadas de 40 e 50, colocando-se à disposição da investigação científica na
área das chamadas soft sciences, onde a variabilidade aleatória é a
característica dominante.
Problemas específicos nos vários campos da ciência
passam a exigir procedimentos específicos de desenho e análise de dados.
Nas chamadas ciências da vida, se tem igualmente, a
partir da Segunda Guerra Mundial, o início de uma revolução científica.
Fixemo-nos apenas em algumas poucas áreas, como, por exemplo, na Farmacologia,
onde tivemos enorme progresso com a introdução de um conjunto de métodos
estatísticos, denominados Ensaios Biológicos, para testes de potência de drogas
e investigações do tipo dose-resposta, métodos estes calcados na teoria de
regressão e na análise de variância. Na área dos Ensaios Clínicos Controlados,
o trabalho pioneiro do inglês Sir Austin Bradford Hill sobre quantificação e
aleatorização permitiu o desenvolvimento dos dois grandes ensaios de campo
realizados, respectivamente, na Inglaterra, em 1946, sobre o uso da
estreptomicina no combate à tuberculose, e nos Estados Unidos, em 1952, sobre o
efeito protetivo da gamaglobulina nos ataques da poliomielite. Paralelamente ao
desenvolvimento dos Ensaios Clínicos Controlados, desenvolveu-se uma
metodologia específica de Análise de Sobrevivência, aplicada aos ensaios
clínicos terapêuticos, desde aqueles em pequena escala, nos laboratórios, até
aos grandes ensaios multiclínicos. É também no desenvolvimento da moderna
metodologia estatística que a Epidemiologia Teórica e Quantitativa vai
encontrar os fundamentos para o seu desenvolvimento. Uma investigação
científica mais rigorosamente fundamentada, na área das doenças transmissíveis,
passa a exigir a criação de procedimentos específicos na área de processos
estocásticos.
Como assinala Zelen (1985), a criação do National
Institute for Health, na década de 40, nos Estados Unidos, pode ser considerada
um exemplo da notável contribuição de elementos com forte background matemático
e estatístico a áreas que envolvem os estudos de caso-controle, estudos de
corte e estudo transversais; análise de dados discretos e dados categóricos;
análise multivariada, ensaios biológicos e testes de segurança no uso de
drogas, etc.
Conforme aponta Chiang (1985), a evolução das
idéias no campo das ciências da vida levou à necessidade da criação de
procedimentos estatísticos específicos. O conjunto desses procedimentos e
métodos associados convencionou-se denominar Bioestatística.
ASSESSORAMENTO ESTATÍSTICO: SUA POSIÇÃO FACE A
OUTRAS ATIVIDADES ACADÊMICAS
O exposto no item anterior e um rápido exame de
periódicos na área das ciências da vida nos dão uma idéia substancial da
importância que é atribuída, e de fato possuída, aos procedimentos estatísticos
nessa área.
Assim, apenas para exemplificar, tomando dois
periódicos brasileiros na área de Saúde Pública — a Revista de Saúde Pública e
os Cadernos de Saúde Pública — encontramos:
a) Cadernos de Saúde Pública
Vol. VI, no
1, Janeiro/Março de 1990 - dos 8 artigos publicados, 6 utilizam algum
tipo de procedimento estatístico;
Vol. VI, no 2,
Abril/Junho de 1990 - dos 7 artigos publicados, 5 utilizam algum procedimento
estatístico.
b) Revista de Saúde Pública
Vol 24, no 3,
Junho de 1990 - dos 9 artigos publicados, 8 utilizam procedimentos
estatísticos;
Vol. 24, no 6,
Dezembro de 1990 - dos 8 artigos publicados, 6 utilizam procedimentos
estatísticos.
Queremos ressaltar, no entanto, que o importante
não é usar qualquer procedimento estatístico, mas sim, quando couber, usar o
procedimento estatístico adequado.
Poucas universidades e/ou centros de pesquisa,
entre nós, têm tido a preocupação de assegurar que seus esforços de pesquisa
empreguem a Estatística de uma maneira apropriada. Especificamente, muitas
dessas instituições não possuem qualquer estrutura formal que ofereça a
possibilidade de assessoria estatística a seus pesquisadores.
A assessoria estatística deve representar um
esforço para qualificar a pesquisa, melhorando os aspectos estatísticos da
mesma no que diz respeito ao desenho (seja de experimentos, seja de surveys),
à coleta, descrição, análise e interpretação dos dados. Ao mesmo tempo,
dependendo da natureza do problema, a assessoria dá oportunidade ao estatístico
de estabelecer idéias e propostas de novas metodologias e procedimentos.
A assessoria estatística requer um considerável
embasamento teórico, treinamento adequado e habilidades específicas.
Conseqüentemente, exige que sua condução seja feita sob a supervisão de pessoal
universitário altamente qualificado, em geral a nível de pós-graduação, e
devidamente treinado nessa tarefa.
COMO
SITUAR TAL ATIVIDADE NAS INSTITUIÇÕES UNIVERSITÁRIAS?
É universalmente reconhecido que a ordem de
importância para as atividades no ambiente acadêmico são o ensino, a pesquisa e
os serviços (estes sob a modalidade de extensão de serviços à comunidadade).
Entre nós, também se dá importância, em um grau variável, às atividades
burocrático-administrativas.
A assessoria estatística, em sua essência, não é
ensino nem pesquisa e tem somente alguns aspectos daquilo que denominamos
serviços. Estes fatores tornam a organização para o fornecimento da assessoria
estatística, no ambiente acadêmico, uma questão que, às vezes, vem acompanhada
de incompreensões e aborrecimentos.
O fato de a assessoria não ser uma atividade de
ensino é particularmente embaraçoso, principalmente nas instituições acadêmicas
mantidas pelo poder público, onde critérios de avaliação para efeito de
distribuição de recursos, promoção e salário levam em consideração o número de
disciplinas do departamento, o número de horas-aula, a relação
discente/docente.
A atividade de assessoria estatística não é uma
atividade de pesquisa para os estatísticos que estão nela engajados, uma vez
que o produto desta atividade não gera, na quase totalidade das situações,
publicações na literatura estatística, raramente gerando publicações, em
co-autoria, na área objeto da pesquisa assessorada.
Ainda que, a nível acadêmico, o desejável é que o
docente também seja um pesquisador, de modo que o ensino possa se beneficiar da
sua pesquisa, o fato de ensino não ser pesquisa é uma questão problema, no
sentido em que a atividade de pesquisa é aquela que mais gera reconhecimento e,
conseqüentemente, prestígio pessoal, principalmente pela divulgação que se dá
ao nome do departamento e, portanto, ao nome da instituição, o que, como
conseqüência, leva ao carreamento de recursos de fora para dentro (sejam
recursos financeiros, materiais ou humanos).
Então, se a assessoria estatística deve ser
reconhecida como uma atividade dentro da instituição, ela deve ser rotulada
como um serviço ou, pelo menos, uma extensão de serviço. No entanto, esta é,
por várias razões, uma classificação não satisfatória. De fato:
a) o aspecto serviço dá origem não só a problemas
óbvios de reconhecimento profissional, mas também pode restringir a atração de
fundos e recursos destinados à pesquisa;
b) o apecto serviço cria, entre os não-usuários, a
sensação de um atendimento privilegiado, dentro de um escopo limitado, o que
pode induzir, erroneamente, à conclusão de que esta é uma atividade de baixo
consumo de tempo, que envolve um relacionamento interpessoal, se dando, pois,
de forma errática, não responsavelmente credenciada, dirigida somente a uma
parte dos membros da comunidade;
c) ainda sob o aspecto serviço, a atividade de
assessoria estatística, no 'ambiente acadêmico, não apresenta nenhum paralelo
com outras atividades.
A assessoria estatística adequada implica em um
envolvimento muito forte do(s) assessor (es) e da equipe assessorada — em
realidade, deve ser uma interação que se inicia na fase da definição dos
objetivos e do planejamento propriamente dito, passando pelo monitoramento dos
dados coletados, atingindo a fase de análise e culminando com a interpretação e
conclusão, se a equipe assessorada deseja estar segura de que uma análise
estatisticamente válida está sendo conduzida.
POSSÍVEIS ESTRUTURAS DE ASSESSORAMENTO ESTATÍSTICO
A NÍVEL ACADÊMICO
Considerando a experiência dos autores, vivenciada
ao longo de muitos anos, em distintas instituições nacionais, tentar-se-á uma
descrição entre várias possíveis, de tipos de estruturas de assessoramento
estatístico, seguindo uma linha apresentada por Gibbons & Freund (1980).
Assessoria Fornecida por Expert Não
Estatístico
Esta é, talvez, a situação mais comum em nossas
instituições de ensino e pesquisa. Em um dado departamento, existe um (às vezes
mais do que um) profissional da área que é considerado um especialista no uso
de procedimentos estatísticos para a referida área: é o expert em
estatística. Por exemplo, em um departamento de farmacologia, um farmacólogo
devidamente treinado na metodologia dos Ensaios Biológicos passa a ser
considerado, formal ou informalmente, um especialista em estatística; em um
departamento de medicina social, um pesquisador da área se especializa no uso
da metodologia estatística aplicada a surveys sociais: passa a ser o expert
em estatística no departamento.
O assessoramento estatístico fornecido via atuação
de um expert é, na maioria dos casos, limitado e restrito aos conhecimentos
estatísticos adquiridos, quase sempre, com enfoque centrado apenas nas
necessidades da área. Isto tende não só a perpetuar o estreitamento do âmbito
estatístico para a assessoria, mas também, em conseqüência, eliminar uma
possível fonte de problemas desafiadores na sua natureza estatística.
Assessoramento Embasado em Responsabilidade
Determinada
Esse tipo de assessoramento estatístico, raro entre
nós, ocorre quando um departamento acadêmico é designado, ou aceita livremente,
a incumbência e responsabilidade para a assessoria através de profissionais
estatísticos titulados e devidamente treinados para tal.
Em tal tipo de estrutura organizacional, há uma
tendência para a garantia de um maior espectro de qualidade no serviço de
assessoria do que, possivelmente, seria oferecido por um expert.
Quase sempre, tal incumbência é assumida por um
departamento de matemática ou de estatística, quando a instituição os possui.
Em geral, tais tarefas são assumidas por profissionais estatísticos, alocados
em algum departamento responsável pelo ensino dos vários programas e
disciplinas de conteúdo programático em Estatística.
A assessoria estatística pode não ser a principal
atividade do departamento, e se não for, o sistema terá grande dificuldade de
ser realmente efetivo. A tarefa passa a ser de interesse secundário, tanto por
parte dos assessores quanto do próprio departamento e da instituição como um
todo, pondo em risco a qualidade da pesquisa, que depende de métodos
estatísticos mais específicos e mais refinados, os quais geralmente não estão
apresentados em livros textos.
Por outro lado, se o assessorado está convicto de
que a atividade de assessoria é encarada, pelo profissional e pela instituição,
como uma atividade de importância secundária, poderá preferir buscar assessoria
através de um expert, ainda que tal atitude possa resultar em um
tratamento estatístico talvez pobre ou inadequado.
Assessoramento Estatístico Fornecido por Centros de
Computação
Entre as atividades de centros e/ou serviços de
computação está aquela de produzir programas ou pacotes de programas
computacionais, segundo as necessidades da instituição e usuários, mantendo,
simultaneamente, um serviço de assessoria para a utilização dos referidos
programas. Desde que muitos desses programas são de natureza estatística, é
inevitável que tais centros sejam procurados para fornecer assessoramento
estatístico.
Programadores e/ou técnicos em computação são, em
geral, estudantes não graduados ou, quando muito, com graduação em alguma área
onde as atividades técnicas e as bases da programação são ensinadas.
Centros de computação, nestas condições, devem
resistir à tentação de fornecer os serviços de assessoramento estatístico. Às
vezes isto é difícil, quase impossível, já que pesquisadores científicos quase
sempre são personagens consagradas na instituição, ou têm o respaldo de alguma
chefia de departamento, enquanto os profissionais procurados quase sempre são
apenas ocupantes de cargos técnicos, considerados pessoal de apoio, que, com
uma eventual recusa, poderão criar, para si próprios, sérias dificuldades na
relação de trabalho e obstáculos para sua promoção profissional, correndo o
risco, até mesmo, de serem despedidos quando se deparam com chefias
truculentas.
Se um profissional de estatística está devida e
competentemente treinado na atividade de assessoria, ele pode ser vinculado,
funcional e profissionalmente, a um centro de computação ou, então, exercer tal
atividade no departamento acadêmico encarregado do ensino da Estatística, ao
mesmo tempo em que se liga, para o exercício da assessoria, ao centro de
computação. Esta situação não é diferente já que os centros de computação não
são, em sua essência, de natureza acadêmica e, assim, torna-se difícil atrair
um profissional titulado que irá exercer atividades em um centro técnico, sob a
chefia e supervisão, às vezes, de um profissional menos titulado academicamente
e com interesses de atividades em áreas distintas daquelas da Estatística. Mais
cedo ou mais tarde, choques e atritos serão inevitáveis, o que contribuirá para
uma péssima qualidade de serviço.
Quando o assessor estatístico em um centro de
computação não é um profissional estatístico devidamente treinado, ou quando é
um profissional estatístico com interesse e treinamento centrados nos aspectos
computacionais da estatística, isto pode levar a uma superenfatização de tais
aspectos, em detrimento de outros talvez muito mais importantes, como, por
exemplo, os aspectos do desenho, a formulação e os pressupostos teóricos de
modelagem estatística, proposições teóricas de validade da metodologia a ser
empregada, questões de sensibilidade e especificidade dos instrumentos de
medidas, identificação e correção de biases, etc.
Vale lembrar aqui que o uso indiscriminado de
pacotes estatísticos, sem um exame mais aprofundado por parte de estatísticos
profissionais, como acentua Iguchi (1990), é uma atitude que pode criar sérios
embaraços para o pesquisador, pondo em risco a qualidade e adequação da análise
estatística realizada.
Consulta Estatística (?) do Tipo: "Hei?!..
Posso Falar com Você Só um Minutinho?"
A interrogação entre parênteses significa nossa
impotência para encontrar um qualificativo para nomear tal tipo de abordagem,
que, entre nós, infelizmente, é um dos mais comuns.
É sério porque é desrespeitoso e reflete a
ignorância total, por parte de quem o utiliza, em relação aquilo que está
procurando.
Em geral isso ocorre quando alguém abre a porta de
sua sala ou gabinete de trabalho, não pede licença, e quando você levanta a
cabeça para verificar o que está ocorrendo, o "invasor" está de pé à
sua frente (às vezes até já puxou uma cadeira e está comodamente sentado,
encarando-o frente à frente) e, ao mesmo tempo, dizendo: "Você não me
conhece, sou fulano(a) de tal, pertenço ao Departamento X, sou pesquisador(a)
na área tal e quero um minutinho da sua atenção" (como se a unidade de
tempo pudesse ser distribuída por diminutivos ou aumentativos!).
Antes que você consiga sair da sua perplexidade
(nós agora já não ficamos muito perplexos) e articular alguma coisa do tipo
"Você poderia vir mais tarde, agora estou ocupado", ou coisa
equivalente, o "invasor" já respirou o suficiente para disparar:
"Sabe? Terei que entregar minha tese amanhã e preciso resolver só umas
"questõezinhas" (todas, às vezes, até remendar introdução, objetivos,
material e métodos, etc) e quero que você me ajude. Caso contrário, terei
sérios problemas com a Comissão de Pós-Graduação". Ou, então, a colocação
é "Sabe? Eu mandei este artigo para a Revista Z e mandaram de volta com
algumas recomendações sobre o uso de estatística. Como eu não entendo nada
disto, quero que você faça para mim".
É incrível que isto possa ocorrer a nível
acadêmico, mas ocorre e reflete, além da ignorância já referida, uma enorme
desconsideração às atividades profissionais.
ASSESSORIA ESTATÍSTICA NA ENSP VIA LABORATÓRIO DE
ESTATÍSTICA APLICADA
Em instituições acadêmicas e/ou centros de pesquisa
de grande porte que desenvolvem simultaneamente atividades de ensino e
pesquisa, o serviço de assessoramento estatístico pode ser fornecido através de
uma unidade específica, que poderá ser mais ou menos complexa em função do
porte da instituição.
Laboratório de Estatística Aplicada (LEA) é um
rótulo, nas universidades que dispõem de cursos de formação de profissionais
estatísticos (Bacharelado em Estatística), para designar um ambiente físico
onde são desenvolvidas as atividades de treinamento de alunos de graduação e
pós-graduação em assessoramento estatístico. Assim, na Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto, da USP, onde não havia graduação em Estatística, mas um Mestrado
em Bioestatística, o serviço de assessoramento estatístico associado ao
treinamento de pós-graduandos era rotulado "Ambulatório de
Estatística".
Na Escola Nacional de Saúde Pública, até o primeiro
semestre de 1989, apesar da presença de estatísticos, as atividades de
assessoria estatística eram exercidas com base na estrutura tipo expert e,
às vezes, informalmente, na base do "Hei?! posso falar com você um
minutinho?".
O Departamento de Epidemiologia e Métodos
Quantitativos em Saúde (DEMQS), antes desta data, a fim de atender suas
necessidades de ensino e pesquisa, particularmente no ensino que envolve
residência médica, especialização, mestrado (em duas áreas) e doutorado (em
três áreas temáticas), já havia proposto à Direção da Instituição a criação e
instalação do "Setor de Análise de Dados e Computação". Em setembro
de 1989, foi anexado à referida solicitação um adendo sobre a criação e
instalação de um Laboratório de Estatística, o que foi encaminhado e aprovado
pelos órgãos dirigentes da ENSP.
A justificativa para a criação e instalação de tal
laboratório era a seguinte:
O Laboratório de Estatística deve ter um ambiente
físico dotado de recursos humanos e materiais indispensáveis para o bom
desenvolvimento e aplicação de métodos estatísticos e programas computacionais
em estatística, objetivando o adequado planejamento e análise de dados nas
várias áreas da pesquisa em Saúde Pública.
Estabelecemos três vertentes, em relação às quais
se percebe o papel fundamental do Laboratório e seus recursos computacionais:
I. Dentro das funções de desenvolvimento e
aplicação de métodos estatísticos no planejamento das investigações e na
análise de dados, o Laboratório funciona como um setor de extensão de serviços
à comunidade científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Os pesquisadores são atendidos em um sistema de
assessoria, numa escala hierárquica de prioridades que vai dos
Docentes/Pesquisadores do DEMQS, passando àqueles dos demais Departamentos da ENSP,
para atingir os das demais Unidades da Fiocruz, podendo se estender a outros
órgãos do Ministério da Saúde, quando solicitado.
Estas atividades já vêm sendo desenvolvidas desde
maio de 1989, ainda que o setor não conte com uma infra-estrutura adequada de
equipamentos computacionais nem com uma infra-estrutura completa de recursos
humanos de apoio técnico.
II. Uma outra vertente está associada ao
desenvolvimento dos recursos humanos que compõem o Laboratório de Estatística.
Isto pode ser compreendido como essencial e inerente ao processo de trabalho da
equipe que compõe o Laboratório, uma vez que as solicitações de assessoria
envolvem, muitas vezes, novas questões metodológicas que, por sua vez, irão
levar à criação ou adaptação de novas técnicas e procedimentos.
III. Uma terceira vertente diz respeito ao atendimento
e/ou treinamento de alunos de pós-graduação. O atendimento de pós-graduandos,
no desenho e análise de dados de suas dissertações e/ou teses, se fará nos
mesmos moldes do assessoramento estatístico a pesquisadores/docentes. O
treinamento se fará por um processo de orientação intensiva quando o
pós-graduando tiver necessidade de um maior aprofundamento na metodologia
estatística.
Este projeto foi aprovado pelo Conselho
Deliberativo da ENSP durante o ano de 1990 e, ao final desse ano, iniciaram-se
as obras (ainda em andamento para a adaptação do ambiente físico).
Como se percebe pelo exposto, o nome Laboratório de
Estatística é, também aqui, um rótulo que poderia ter sido substituído por
qualquer outro do tipo: Setor de Assessoramento Estatístico, Setor de Apoio
Estatístico à Pesquisa, etc.
Desde maio de 1989, quando se iniciaram, de modo
formal e controlado por sistema de registro de inscrições e acompanhamento, as
atividades do Laboratório de Estatística, estas vêm sendo desempenhadas por uma
equipe constituída de três Docentes/Pesquisadores com formação pós-graduada em
Estatística, dois dos quais são visitantes dentro de Convênio CNPq-Fiocruz.
Apesar da insuficiência de recursos humanos
especializados e de recursos humanos de apoio técnico, as atividades se
desenvolvem ininterruptamente, com reuniões semanais e dois atendimentos por
reunião.
Os dados a seguir resumem estas atividades de
assessoramento estatístico até o presente momento:
TABELA 1. Atendimento do Laboratório de Estatística Aplicada
- DEMQS/ENSP/Fiocruz, segundo Instituição de Origem, no Período de
Funcionamento: Maio/89 a Maio/91.
CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES
Considerando o exposto e as experiências
desenvolvidas, seja esta em andamento na ENSP, sejam outras em distintas
instituições do país, concluimos que, na ENSP, ainda que com dificuldades e com
deficiências em virtude da estrutura incompleta, as atividades de
assessoramento estatístico mostram-se necessárias e têm sido desenvolvidas a
contento, do nosso ponto de vista.
Além do mais, o que foi exposto permite estabelecer
as seguintes recomendações:
a) Os serviços de assessoramento estatístico, em
qualquer instituição, devem ser complementados pelo acesso às facilidades de
computação;
b) Idealmente, deverá ser constituído um pool de
assessores de modo a agregar profissionais estatísticos de diferentes
especialidades, principalmente em função do porte da instituição e da demanda
dos serviços pelas mais diversas áreas do conhecimento;
c) Estudantes de graduação, da residência e
pós-graduandos (lato sensu e stricto sensu) podem e devem
ser inseridos na estrutura;
d) Sempre que possível, a estrutura de expert deverá
ser substituída por uma estrutura de responsabilidade determinada, devendo-se
evitar o assessoramento por técnicos de computação e erradicar a estrutura do
tipo "Hei?! você pode me dar um minutinho?";
e) Em função do porte da instituição e da demanda
por assessoria estatística, os profissionais estatísticos engajados nessa
atividade devem tê-la como tarefa única, isto é, deve ser criada uma unidade ou
setor com a finalidade exclusiva de assessoramento estatístico;
f) Independentemente da situação anterior, as
instituições devem considerar, para efeito de avaliação, promoções,
gratificações e aumentos de salários, as atividades de assessoramento
estatístico no mesno grau de importância das demais atividades (de ensino,
pesquisa científica, participação na administração e/ou colegiados).
TABELA 2.
Atendimento do Laboratório de Estatística Aplicada - DEMQS/ENSP/Fiocruz,
segundo Áreas de Concentração, no Período de Funcionamento: Maio/89 a Maio/91.
TABELA 3. Atendimento do Laboratório de Estatística Aplicada
- DEMQS/ENSP/Fiocruz, segundo a Finalidade da Pesquisa Assessorada, no Período
de Funcionamento: Maio/1989 a Maio/1991.
AGRADECIMENTOS
Ao Convênio Fiocruz-CNPq, que permitiu a realização
deste trabalho com a concessão das bolsas de Professor-Visitante.
Ao referee pelas sugestões.
À Sra. Leila Rasina Mendes pela dedicação na
elaboração do texto computadorizado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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