Blog “Ciências Exatas Contemporâneas”, de
autoria de Álaze Gabriel.
Disponível em http://cienciasexatascontemporaneas.blogspot.com.br/
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INTRODUÇÃO
O objetivo deste ensaio é explorar a
evolução e a natureza mutante da ciência da informação (CI). Pretendo realizar
esta exploração do ponto de vista de sua problemática, atendendo ao argumento
de POPPER (1972) de que "... não somos estudantes de assuntos, mas
estudantes de problemas. E os problemas constituem os recortes de qualquer
assunto ou disciplina." Um campo é definido pelos problemas que são
propostos e a CI é definida como um campo englobando, tanto a pesquisa
científica quanto a prática profissional, pelos problemas que propõe e pelos métodos
que escolheu, ao longo do tempo, para solucioná-Ios.
Evolução da ciência da informação (CI)
enfocando os problemas surgidos ao longo dos tempos. A origem histórica da CI é
discutida, juntamente com seu papel social na evolução da sociedade da
informação. O trabalho de recuperação da informação é analisado em termos de
sua influência no desenvolvimento da CI e da indústria da informação. A
evolução dos diferentes enfoques do problema é apresentada e proposta uma
definição contemporânea de CI. São examinadas as relações interdisciplinares
com quatro campos: biblioteconomia, ciência da computação, ciência cognitiva
(incluindo inteligência artificial) e comunicação. Como conclusão são
sumariadas algumas questões e problemas enfrentados contemporaneamente pela CI.
Três são as características gerais que
constituem a razão da existência e da evolução da CI; outros campos
compartilham-nas. Primeira, a CI é, por natureza, interdisciplinar, embora suas
relações com outras disciplinas estejam mudando. A evolução interdisciplinar
está longe de ser completada. Segunda, a CI está inexoravelmente ligada à
tecnologia da informação. O imperativo tecnológico determina a CI, como ocorre
também em outros campos. Em sentido amplo, o imperativo tecnológico está
impondo a transformação da sociedade moderna
em sociedade da informa ão, era da informa ão ou sociedade p
s-industrial. Terceira, a CI é, juntamente com muitas outras disciplinas, uma
participante ativa e deliberada na evolução da sociedade da informação. A CI
teve e tem um importante papel a desempenhar por sua forte dimensão social e
humana, que ultrapassa a tecnologia.
Essas três características ou razões
constituem o modelo para compreensão do passado, presente e futuro da CI e dos
problemas e questões que ela enfrenta.
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ORIGEM E ANTECEDENTES SOCIAIS
Como muitos outros campos
interdisciplinares (como ciência da computação, pesquisa operacional) a CI teve
sua origem no bojo da revolução científica e técnica que se seguiu à Segunda
Guerra Mundial. Esse processo de emergência de novos campos ou de
refinamento/substituição de conexões interdisciplinares dos campos antigos, de
forma alguma está terminado, como testemunha a emergência, na última década ou
pouco mais, da ciência cognitiva. Portanto, a CI está seguindo os mesmos passos
evolutivos de muitos outros campos.
Dentre os eventos históricos marcantes,
o ímpeto de desenvolvimento e a própria origem da CI podem ser identificados
com o artigo de VANNEVAR BUSH, respeitado cientista do MIT e chefe do esforço
científico americano durante a Segunda Guerra Mundial (BUSH,1945). Nesse
importante artigo, BUSH fez duas coisas: (1) definiu sucintamente um problema
crítico que estava por muito tempo na cabeça das pessoas, e (2) propôs uma
solução que seria um ajuste tecnológico, em consonância com o espírito do
tempo, além de estrategicamente atrativa. O problema era (e, basicamente, ainda
é) "a tarefa massiva de tornar mais acessível, um acervo crescente de
conhecimento"; BUSH identificou o problema da explosão informacional- o irreprimível
crescimento exponencial da informação e de seus registros, particularmente em
ciência e tecnologia.
A solução por ele proposta era a de usar
as incipientes tecnologias de informação para combater o problema. E foi mais
longe, propôs uma máquina chamada MEMEX, incorporando (em suas palavras) a capacidade
de associar idéias,que duplicaria "os processos mentais
artificialmente". É bastante evidente a antecipação do nascimento da CI e,
até mesmo, da inteligência artificial.
Cientistas e engenheiros de todo o
mundo, e os mais importantes governos e agências de financiamento em muitos
países ouviram e agiram. Nos Estados Unidos, o Congresso e outras agências
governamentais aprovaram, durante os anos 50 e 60, inúmeros programas estratégicos
que financiaram os esforços em larga escala para controlar a explosão
informacional, primeiro na ciência e tecnologia, e depois em todos os outros
campos. Empresas privadas uniram-se a eles. Eventualmente, esses programas e
esforços foram responsáveis pelo desenvolvimento da moderna indústria da
informação e das concepções que a direcionam.
A lógica estratégica original que
fundamentou tais programas e esforços era a seguinte: uma vez que a ciência e a
tecnologia são críticas para a sociedade (por exemplo, para a economia, saúde,
comércio, defesa) é também crítico prover os meios para o fornecimento de
informações relevantes para indivíduos, grupos e organizações envolvidas com a
ciência e a tecnologia, já que a informação é um dos mais importantes insumos
para se atingir e sustentar o desenvolvimento em tais áreas.
Posteriormente, essa justificativa,
baseada na importância estratégica da informação, foi estendida a todos os
campos, a todas as tarefas humanas e a todos os tipos de empreendimentos. Esta justificativa
foi e é aplicada globalmente. Atualmente, ela reapareceu entre outros, nos
esforços de companhias e agências em fornecer inteligência estratégica ou
competitiva, e em diferentes programas de informação da União Européia e de
outros países.
Como WERSIG & NEVELLlNG (1975)
apontaram, a CI desenvolveu-se historicamente porque os problemas
informacionais modificaram completamente sua relevância para a sociedade ou, em
suas palavras, "atualmente, transmitir o conhecimento para aqueles que
dele necessitam é uma responsabilidade social, e essa responsabilidade social
parece ser o verdadeiro fundamento da CI". Problemas informacionais
existem há longo tempo, sempre estiveram mais ou menos presentes, mas sua
importância real ou percebida mudou e essa mudança foi responsável pelo surgimento
da CI, e não apenas dela.
Apesar de os Estados Unidos
desempenharem o papel mais proeminente no desenvolvimento da CI (como fizeram
com a ciência da computação), nem os problemas informacionais nem a CI são
americanos em sua natureza. Eles são internacionais ou globais. Não existe mais
uma "CI americana", assim como não existem ciência da computação ou
ciência cognitiva americanas. A evolução da CI nos vários países ou regiões
acompanhou diferentes acontecimentos ou prioridades distintas, mas a
justificativa e os conceitos básicos são os mesmos globalmente. O despertar da
CI foi o mesmo em todo o mundo.
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EVOLUÇÃO DA RECUPERAÇÃO DA INFORMAÇÃO
Nos anos 50, uma massa crítica de
cientistas, engenheiros e empreendedores começaram entusiasticamente a
trabalhar o problema e a solução apontados por BUSH. Nos anos 60, esse trabalho
tornou-se uma atividade relativamente ampla, bem financiada e organizada, que
deu origem a debates estimulantes e a acalorada argumentação acerca das
melhores e mais adequadas soluções (técnicas, conceitos, sistemas, etc).
Calvin MOOERS (1951) cunhou o termo
recuperação da informação, destacando que ele "engloba os aspectos
intelectuais da descrição de informações e suas especificidades para a busca,
além de quaisquer sistemas, técnicas ou máquinas empregados para o desempenho
da operação."
Considerando o problema da informação
conforme definido, isto é, aexplosão informacional, a recuperação da informação
tornou-se uma solução bem sucedida encontrada pela CI e em processo de
desenvolvimento até hoje. Como toda solução suscita seus próprios e específicos
problemas, assim também a recuperação da informação e esses problemas estão
contidos na concepção proposta por MOOERS:
a) como descrever intelectualmente a
informação?
b) como especificar intelectualmente a
busca?
c) que sistemas, técnicas ou máquinas
devem ser empregados?
Embora tenham surgido outros problemas,
mais específicos, esses três continuam fundamentais ainda hoje. De tais
questões, surgiu uma grande variedade de conceitos e construtos teóricos,
empíricos e pragmáticos, bem como numerosas realizações práticas. Muitos exemplos
históricos podem ilustrar a marcante evolução de sistemas, técnicas e/ou máquinas
utilizados para recuperação da informação. Sua variedade vai dos cartões perfurados
aos CD-ROMs e acesso on line;dos sistemas não-interativos àqueles de múltiplas
possibilidades de interação, com interfaces inteligentes, transformando a recuperação
de informação em um processo altamente interativo; de bases documentais para
bases de conhecimento; dos textos escritos aos multimídia; da recuperação de
citações à recuperação de textos completos; e ainda aos sistemas inteligentes e
de respostas a perguntas.
O trabalho determinado pela necessidade
de recuperar informações suscitou questões e promoveu pesquisas exploratórias
de fenômenos, processos e variáveis, bem como das causas, efeitos,
comportamentos e manifestações relacionados.
Historicamente, este fato conduziu a
estudos teóricos e experimentais sobre a natureza da informação, a estrutura do
conhecimento e seus registros (incluindo bibliometria), o uso e os usuários,
levando a estudos do comportamento humano frente à informação; a interação
homem-computador, com ênfase no lado humano da equação; relevância, utilidade,
obsolescência e outros atributos do uso da informação juntamente com medidas e
métodos de avaliação dos sistemas de recuperação da informação; economia,
impacto e valor da informação, dentre outros.
Bastante significativa, também, foi a
emergência do pragmatismo na aplicação empresarial da recuperação da
informação: a indústria informacional ou, para ser mais preciso, o setor que
lida com a criação e distribuição de bases de dados e de serviços on line
decorrentes, bem como o acesso à informação e sua disseminação. Essa indústria
da informação tem suas raízes diretamente relacionadas com os trabalhos de recuperação
da informação dos anos 50 e 60, que culminaram com a emergência de serviços on
linenos 70 e com a viabilização internacional da indústria da informação nos
anos 80.
Resumindo, o trabalho com a recuperação
da informação foi responsável pelo desenvolvimento de inúmeras aplicações bem
sucedidas (produtos, sistemas, redes, serviços). Mas, também, foi o responsável
por duas outras coisas: primeiro, pelo desenvolvimento da CI como um campo onde
se interpenetram os componentes científicos e profissionais. Certamente, a
recuperação da informação não foi a única responsável pelo desenvolvimento da
CI, mas pode ser considerada como principal; ao longo do tempo, a CI
ultrapassou a recuperação da informação, mas os problemas principais tiveram
sua origem aí e ainda constituem seu núcleo. Segundo, a recuperação da
informação influenciou a emergência, a forma e a evolução da indústria informacional.
Novamente, a recuperação da informação não foi o único fator, mas o principal.
Como a CI, a indústria da informação atualmente não é apenas recuperação da
informação, mas esta é o seu componente mais importante.
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EVOLUÇÃO DAS DEFINIÇÕES E DA ORIENTAÇÃO POR PROBLEMAS
Se aceitamos a afirmativa feita na
Introdução de que um campo é definido pelos problemas que coloca, então, uma
descrição de alguns conceitos pode permitir uma visão da evolução da CI
relativa aos problemas propostos desde sua origem. O conceito de CI como um
campo emergiu no início dos anos 60. As discussões feitas nessa época foram
sintetizadas por BORKO (1968):
"CI
é a disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as
forças que governam seu fluxo, e os meios de processá-la para otimizar sua
acessibilidade e uso. A CI está ligada ao corpo de conhecimentos relativos à origem,
coleta, organização, estocagem, recuperação, interpretação, transmissão, transformação
e uso de informação... Ela tem tanto um componente de ciência pura, através da
pesquisa dos fundamentos, sem atentar para sua aplicação, quanto um componente
de ciência aplicada, ao desenvolver produtos e serviços."
Na década de 70, o conceito e a
abrangência da CI enquanto ciência foram afunilados pela definição mais
específica dos fenômenos e processos que deveriam ser analisados. GOFFMAN
(1970) sumarizou-o como se segue: "O objetivo da disciplina CI deve ser o
de estabelecer um enfoque científico homogêneo para estudo dos vários fenômenos
que cercam a noção de informação, sejam eles encontrados nos processos
biológicos, na existência humana ou nas máquinas...Conseqüentemente, o assunto
deve estar ligado ao estabelecimento de um conjunto de princípios fundamentais que
direcionam o comportamento em todo processo de comunicação e seus sistemas de
informação associados... (A tarefa da CI) é o estudo das propriedades dos
processos de comunicação que devem ser traduzidos no desenho de um sistema de
informação apropriado para uma dada situação física".
Tendo se iniciado no começo dos anos 60,
prolongando-se até hoje, as questões acerca da natureza, manifestações e
efeitos dos fenômenos básicos (a informação, o conhecimento e suas estruturas)
e processos (comunicação e uso da informação) tornaram-se os principais
problemas propostos pela pesquisa básica em CI. Incluem-se aí, dentre outras,
tentativas de se formalizarem as propriedades da informação pela aplicação da
teoria da informação, da teoria das decisões e outros construtos da ciência
cognitiva, da lógica e/ou da filosofia; várias formas de estudos de uso e de
usuários; formulações matemáticas da dinâmica das comunicações (como a teoria
epidêmica da comunicação); ricas análises em bibliometria e cienciometria, pela
quantificação das estruturas do conhecimento (como a literatura e a esfera
científica) e de seus efeitos (como as redes de citações), etc. Portanto,
paralelamente com a aplicação da pesquisa e desenvolvimento, principalmente
centrados em torno da recuperação da informação, uma linha básica de pesquisa
evoluiu para CI, sendo em alguns casos tão rigorosa, matemática, lógica ou
estatisticamente, como qualquer outra pesquisa científica similar.
Por volta dos anos 70, o paradigma da
recuperação da informação deslocou-se em direção à uma contextualização mais
ampla, voltando-se para os usuários e suas interações. No sentido dado por
POPPER, esse fato reflete uma compreensão mais aprofundada do problema do que
originalmente identificado por MOOERS. Discutindo os princípios da recuperação
da informação e a necessidade de se construir sua teoria, KOCHEN (1974)
afirmou:
"Podemos
conceitualizar o sistema de conhecimento, no qual se inscreve a recuperação de
informação, como composto por três partes; (a) as pessoas em seu papel de processadores
de informações; (b) os documentos em seu papel de suportes de informações; (c)
os tópicos como representações. Estamos interessados no ciclo de vida de cada
um destes três objetos e na dinâmica de interação entre eles. Portanto, devemos
considerar a variável comum aos três: tempo. "
Em meados da década de 70, era
amplamente reconhecido que a base da CI dizia respeito aos processos de
comunicação humana (isto é, um aprofundamento da definição proposta por BUSH),
ou como BELKIN & ROBERTSON (1976) resumiram: "O propósito da CI é
facilitar a comunicação de informações entre seres humanos." Similarmente,
BECKER (1976) definiu a CI como o estudo do modo pelo qualas pessoas
"criam, usam e comunicam informações".
Mais recentemente (começo da década de
80) a administração foi acrescentada como um elo básico da CI. Na literatura do
período, a American Society for Information Science (ASIS) definiu-se como:
"(A) organização profissional para aqueles envolvidos com o desenho, a
administração e o uso de sistemas e tecnologias de informação."
Finalmente, devo redefinir a CI nos
termos em que evoluiu e no seu enfoquecontemporâneo (1990): “A CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO é um campo dedicado às questões científicas e à prática profissional
voltadas para os problemas da efetiva comunicação do conhecimento e de seus
registros entre os seres humanos, no contexto social, institucional ou
individual do uso e das necessidades de informação. No tratamento. destas
questões são consideradas de particular interesse as vantagens das modernas
tecnologias informacionais."
As palavras-chave desta definição
indicam as áreas de concentração de problemas para a pesquisa e a prática
profissional - significando os enfoques intelectual e profissional, bem como as
fronteiras da CI. Estas são propostas na CI através de esforços teóricos,
experimentais, profissionais e/ou pragmáticos, individualmente ou em várias
combinações interrelacionadas. São elas:
a) efetividade
b) comunicação humana
c) conhecimento
d) registros do conhecimento
e) informação
f) necessidades de informação
g) usos da informação
h) contexto social
i) contexto institucional
j) contexto individual
I) tecnologia da informação
Pela sua própria natureza, essas são
áreas-problema altamente complexas e, como todos os problemas complexos são
tratados de várias formas em muitos campos (assim como o são os problemas
relacionados com a energia, matéria, vida, etc). Então, pelo imperativo dos
problemas propostos, a CI é um campo interdisciplinar.
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EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES
Os problemas básicos de se compreender a
informação e a comunicação, suas manifestações, o comportamento informativo
humano e os problemas aplicados ligados ao "tornar mais acess vel um
acervo crescente de conhecimento", incluindo as tentativas de ajustes
tecnológicos, não podem ser resolvidos no âmbito de uma única disciplina. Este
fato ficou claro, a partir da afirmação de BUSH, para todos que refletiram
acerca das complexidades envolvidas. Problemas complexos demandam enfoques
interdisciplinares e soluções multidisciplinares.
A interdisciplinaridade foi introduzida
na CI pela própria variedade da formação de todas as pessoas que se ocuparam
com os problemas descritos. Entre os pioneiros havia engenheiros,
bibliotecários, químicos, lingüistas, filósofos, psicólogos, matemáticos,
cientistas da computação, homens de negócios e outros vindos de diferentes
profissões ou ciências. Certamente, nem todas as disciplinas presentes na formação
dessas pessoas tiveram uma contribuição igualmente relevante, mas essa multiplicidade
foi responsável pela introdução e permanência do objetivo interdisciplinar na
CI.
Enfocarei as relações interdisciplinares
entre a CI e quatro campos: biblioteconomia, ciência da computação, ciência
cognitiva (incluindo inteligência artificial - IA) e comunicação. Obviamente,
outros campos também mantêm relações interdisciplinares com a CI, mas nenhum
desenvolveu-as de forma tão pronunciada e significante como esses quatro.
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BIBLIOTECONOMIA
A biblioteconomia tem uma longa e
orgulhosa história, remontando a três mil anos, devotada à organização, à
preservação e ao uso dos registros gráficos humanos. Essas atividades são
realizadas pelas bibliotecas não apenas como uma organização particular ou um
tipo de sistema de informação, mas principalmente, como uma instituição social,
cultural e educacional indispensável, de valor comprovado muitas vezes ao longo
da história humana e através das fronteiras das diferentes culturas, civilizações,
nações ou épocas. SHERA (1972) define as bibliotecas como: "...contribuindo
para o sistema total de comunicação na sociedade... Embora as bibliotecas
tenham sido criadas como instrumentos para maximizar a utilização dos registros
gráficos em benefício da sociedade, elas atingem sua meta trabalhando com os
indivíduos e através deles, atingem a sociedade. "
O campo comum entre a biblioteconomia e
a CI, que é bastante forte, consiste no compartilhamento de seu papel social e
sua preocupação comum com os problemas da efetiva utilização dos registros
gráficos. Mas existem também diferenças significativas em alguns aspectos
críticos, dentre eles: (1) seleção dos problemas propostos e a forma de sua
definição; (2) questões teóricas apresentadas e os modelos explicativos
introduzidos; (3) natureza e grau de experimentação e desenvolvimento empírico,
assim como o conhecimento prático/competências derivadas; (4) instrumentos e
enfoques usados; e (5) a natureza e a força das relações interdisciplinares
estabelecidas e sua dependência para o avanço e evolução dos enfoques
interdisciplinares. Todas estas diferenças comprovam a conclusão que biblioteconomia
e CI são dois campos diferentes, com forte relação interdisciplinar e não um
único campo, em que um consiste na manifestação especial do outro. Não se trata
de uma polêmica, acadêmica ou profissional, ou ainda argumentações do tipo melhorou
pior.
Tais argumentos, embora comuns entre
muitos campos modernos (por exemplo, psicologia e ciência cognitiva, ou entre
os oponentes e os proponentes quando se considera a ciência da computação como
um ramo das engenharias), significam pouco para o avanço de qualquer área e são
completamente irrelevantes na aplicação científica, técnica ou profissional.
São importantes, entretanto, as diferenças na seleção e/ou definição de
problemáticas, paradigmas, metodologias e soluções teóricas ou práticas. A
conclusão, então, é que biblioteconomia e CI, embora relacionadas, constituem
campos diversos.
As diferenças ficam mais evidentes pela
agenda das pesquisas. O que as agências de fomento estão financiando como
pesquisa em CI é inteiramente diferente daquilo que financiam em pesquisas
biblioteconômicas. Isso é válido para todos os países que tem pesquisas
financiadas nas áreas de CI e de biblioteconomia.
Similarmente, existem muitas e pronunciadas
diferenças nos programas dos respectivos congressos, por exemplo, entre os
encontros do Special Group of Interest on Information Retrieval (SIGIR) da
Association of Computing Machinery e os encontros de qualquer associação de
bibliotecas. Embora a CI e a biblioteconomia sejam grandes aliadas, a ponto de
muitos assumirem o termobiblioteconomia e ciência da informaçãopara descrever
um mesmo campo de estudos, na realidade, as diferenças apontadas são de tamanha
importância qualitativa que desautorizam tal união, além de refletirem-se de
algum modo em ambos os campos. Mas, a relação está posta e continua evoluindo.
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CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO
A base da relação entre CI e ciência da
computação reside na aplicação dos computadores e da computação na recuperação
da informação, assim como nos produtos, serviços e redes associados. Para
ilustrar a conexão, usarei uma definição recente (DENNING et al.,1989):
“A
disciplina da computação é o estudo sistemático dos processos algorítmicos que descrevem
e transferem informações; sua teoria, análise, desenho, eficiência, implementação
e aplicação. A questão fundamental subjacente a toda computação é "o que
pode ser eficientemente automatizado?"
Como pode ser percebido, a ciência da
computação trata de algoritmos que transformam informações enquanto a CI trata
da natureza mesma da informação e sua comunicação para uso pelos humanos. Ambos
os objetos são interrelacionados e não competidores, mas complementares. Eles
levam a agendas básicas e aplicadas diferentes.
Um grande número de cientistas da
computação estiveram proximamente envolvidos com pesquisa e desenvolvimento em
recuperação da informação, assim como em muitos de seus desdobramentos, a ponto
de serem reconhecidos como líderes em CI. Gerald SALTON é um bom exemplo. Por
outro lado, existe uma vertente de pesquisa e desenvolvimento em ciência da
computação que pouca ligação tem com os estudos iniciais em CI. Essa inclui os
trabalhos com sistemas inteligentes, bases de conhecimento, hipertextos e
sistemas relacionados, interfaces inteligentes e interação homem-computador e
mesmo reutilização de software. Essas áreas tem um significativo componente
informacional, associado com a representação da informação, sua organização
intelectual e encadeamentos; busca e recuperação de informação; a qualidade, o
valor e o uso da informação - todos tradicionalmente tratados pela CI. De modo
inverso, essa corrente de pesquisa e desenvolvimento na ciência da computação fornece
diferentes visões, modelos e enfoques e um paradigma diverso para a pesquisa e
desenvolvimento em CI. Portanto, as relações interdisciplinares estão evoluindo
em direção a um nível diferente de cooperação intelectual. Aqui também, como no
caso da biblioteconomia, este não é um argumento fortuito. Se existe um questionamento,
esse deve relacionar-se com a adequação do paradigma, isto é, a interrelação
dos problemas e do enfoque das soluções.
Uma das áreas chave de interesse para
ambas, ciência da computação e CI, é a inteligência artificial (IA). Embora a
IA possa ser discutida por si só, prefiro discutí-Ia na perspectiva da ciência
cognitiva para ilustrar os interesses compartilhados acerca dos processos da
mente. Enfim, a fonte e o alvo da CI tem sido a informação da e para a mente.
8
CIÊNCIA COGNITIVA
Também chamada "nova ciência da
mente" (GARDNER, 1985), a ciência cognitiva situa-se entre os mais novos
campos interdisciplinares e foi disseminada na última década, com grande
sucesso, seduzindo a imaginação de muitos estudiosos nos mais diversos campos.
A razão para isto é que ela aponta, de uma nova forma, questões sobre a mente
que tem sido debatidas desde a antigüidade. "O objetivo da ciência
cognitiva" segundo JOHNSON-LAIRD, (1988), um cientista líder na área,
"é explicar como funciona a mente". A ciência cognitiva surgiu como
um "amálgama da psicologia, filosofia, antropologia, neurofisiologia,
ciência da computação e ling ística, organizado em torno do uso do computador
como uma ferramenta para extrair os segredos do cérebro e da mente"
(CASTI, 1989). Embora existam diversos enfoques de pesquisa, os campos que
compõem a ciência cognitiva compartilham um interesse básico acerca da
compreensão dos processos cognitivos, sua realização no cérebro, a estrutura da
mente e várias manifestações da mente como inteligência. Na ciência cognitiva o
computador desempenha um importante papel, tanto como ferramenta quanto como
fonte de modelagem e teste.
Os livros de GARDNER, JOHNSON-LAIRD e
CASTI apresentam um abrangente relato da interdisciplinaridade da ciência cognitiva,
mostrando as correntes de pensamento e os campos que aí interagem. A
importância determinante da ciência cognitiva reside na interação de enfoques
extremamente diferenciados no tratamento de questões acerca do cérebro e da
mente, das humanidades às ciências da vida, das ciências sociais às
matemáticas, da lógica às engenharias. Embora todos esses tenham um interesse
potencial para a CI, o mais próximo é constituído pelas questões levantadas e
soluções tentadas na IA.
Assim como o artigo de BUSH tornou-se o
clássico ponto inicial na evolução da CI, o artigo de Alan TURING (1950),
ComputingMachinery endIntelligence, foi o detonador para a IA. Nas duas
primeiras sentenças do artigo, TURING sintetizou o que se tornaria a agenda da
IA: "proponhoque se considere a questão: podem as máquinaspensar? A
resposta deve começar pela definição do significado dos termos máquina e pensar."
Uma definição popular de IA estabelece
que "IA é a arte de se programarem computadores para fazer coisas
inteligentes" (WALDROP, 1987). Mas WALDROP também destacou que existem
muitas vertentes de atividades em IA, cada uma com agenda específica, estudando
diferentes problemas:
"(IA pode ser definida): - como um
ramo da engenharia de softwareIA é um conjunto de técnicas de programação que
fazemo computador executar alguns truques... Certamente, algumas pessoas estão
começando a ganhar rios de dinheiro com estes truques.. - como uma teoria da
ciência da computação, ... IA é uma concepção do que seja programação... - como
um ramo da filosofia, IA é um tipo de epistemologia experimental: o que é o
conhecimento? como pode o conhecimento ser representado no computador - ou na
mente? - como uma ciência da mente, IA incorpora uma idéia controversa e instigante:
que a mente ... é basicamente um mecanismo processador deinformações ... Em seu
nível mais profundo, IA liga-se a um dos grandes mistérios não resolvidos da
ciência: como pode a mente surgir de uma não-mente? Como pode o cérebro, um
objeto feito de matéria comum... dar nascimento a sentimento, objetivo,
pensamento e consciência?"
Atualmente, a IA é classificada como
IAfraca, concentrada nos dois primeiros pontos descritos por WALDROP, e
IAforte, direcionada aos dois últimos. Não se pode negar que a IA forte, com
suas teorias da inteligência, mente e pensamento conectadas com as máquinas,
seja controversa, causando numerosos desafios, especialmente entre filósofos
(por exemplo, DREYFUS, 1979; SEARLE, 1984; PENROSE, 1989; e outros). Por sua
vez, as refutações foram rejeitadas, resultando em liberdade intelectual para
todos. De toda forma, esses são alguns dos debates mais instigantes e
significativos do século, reunindo pessoas de todas as áreas acadêmicas. Tais debates
certamente terão conseq ências de longo alcance sobre as nossas formas de pensar
o pensamento.
Tanto a IA fraca quanto a forte tem
interesse direto para a CI. A IA fraca é fonte de muitas das inovações nos
sistemas de informação, tais como sistemas inteligentes, hipertextos, bases de
conhecimento, interfaces inteligentes e as questões sobre a interação
homem-computador - todas elas de interesse para a CI e para as quais ela pode
contribuir diretamente. A IA forte é a fonte do modelo teórico da cognição, no
qual a informação, enquanto fenômeno, desempenha o mais importante papel.
Portanto, esse modelo pode também contribuir para a pesquisa básica em CI.
9
COMUNICAÇÃO
Se existe alguma palavra que tenha mais
conotações, maior uso em muitos e diferenciados contextos e maiores motivos
para confusão do que informação, essa palavra é comunicação. Em primeiro lugar,
existe confusão entre o processo de comunicação enquanto objeto de investigação
e comunicação como nome do campo em que o processo é investigado, isto é, a
comunicação (campo) estuda a comunicação (processo). Quase todo texto de
comunicação principia com a descrição da miríade de usos do termo. O
significado de comunicação, assim como o de informação é uma discussão
disseminada por si mesma. Embora interessante, a argumentação não produziu
nenhum resultado notável e, portanto, não vale a pena prosseguir. De qualquer
forma, o debate e os estudos acadêmicos sobre as relações envolvidas entre
informação como fenômeno e comunicação como processo, são importantes, pois
cada conceito atua de forma complexa sobre o outro, formas ainda não
completamente elaboradas, compreendidas ou mesmo investigadas (veja, por exemplo,
RUBEN, no prelo). De forma fundamental, as relações entre o fenômeno e o processo
- informação e comunicação - definem as relações entre CI e comunicação (campo).
Os estudos acadêmicos da comunicação são
tão antigos quanto a filosofia. No estudo da retórica por Aristóteles e por
outros filósofos, o interesse era o discurso público, não apenas como arte de
persuasão, mas também como uma área de estudo voltada para a natureza da
comunicação e os efeitos decorrentes.
A pesquisa em comunicação, englobando
estudos empíricos, coleta de dados, teste de hipóteses e todos os outros
ornamentos da ciência moderna, tiveram início nas primeiras décadas do século,
como um suplemento à filosofia e como uma resposta a muitas das questões e
problemas, bastante evidentes, relacionados com os vários aspectos da sociedade
industrial, como urbanização, migração, emergência dos mass media, da
propaganda na Primeira Guerra Mundial e coisas tais. (Para uma visão histórica
da pesquisa e da ciência da comunicação, ver ROGERS, 1986 e DELlA,1987).
Os modernos estudos acad micos da
comunicação evoluíram em um campo específico (mencionado, algumas vezes, como
comunicação simplesmente e outras, como ciência da comunicação) com ênfase no
estudo de problemas associados com a comunicação humana, definida como
(RUBEN,1984):
"...o
processo através do qual os indivduos em rela ão, grupos, organiza es e
sociedades criam, transmitem e usam informação para organizar a informa ão com
o ambiente e entre si."
Pesquisadores que trabalharam tanto em
CI como em comunicação entendem que o foco unilateral em informação ou em
comunicação, por si mesmo é muito estreito, enfraquecendo a pesquisa em ambos.
Segundo eles, existem questões emergentes necessitando da atenção de ambas as
disciplinas em um trabalho conjunto (por exemplo, PAISLEY, 1989). Como BORGMAN
& SCHEMENT (1989) destacaram:
"Por
algum tempo, pudemos observar os elos entre as duas disciplinas em diferentes
níveis. Pesquisadores de ambos os campos estudaram tópicos semelhantes, como as
lacunas do conhecimento, os colégios invisíveis, a difusão de inovações, a
interação humana com as tecnologias da comunicação, o comportamento na busca de
informações, a teoria da informação, a teoria de sistemase a sociedade da
informação. "
Eles também notaram (juntamente com
outros observadores) que esses tópicos aparecem nas revistas de ambos os campos
e que alguns acadêmicos mudaram suas afiliações de escolas de comunicação para
as de CI e vice-versa. Isto evidencia a confluência de pessoas e correntes de
pesquisa em CI e comunicação, semelhante às confluências discutidas previamente
entre CI, ciência da computação e ciência cognitiva.
Concluindo, o desenvolvimento da relação
entre CI e comunicação apresenta várias dimensões: um interesse compartilhado
na comunicação humana, juntamente com a crescente compreensão de que a
informação como fenômeno e a comunicação como processo devem ser estudadas em
conjunto; uma confluência de certas correntes de pesquisa; algumas permutas
entre professores; e o potencial de cooperação na área da prática profissional
e dos interesses comerciais/empíricos.
10
CONCLUSÃO
A CI parece estar atingindo um ponto
crítico em sua evolução. Inúmeras são as pressões que impõem um reexame da sua
problemática e das soluções encontradas de forma teórica, experimental ou
prática. As mesmas pressões afetam muitos outros campos. Vamos considerar três
classes gerais de pressões.
Em primeiro lugar, o imperativo
tecnológico que vem apresentando ou mesmo forçando o desenvolvimento e
aplicação de uma crescente gama de produtos e serviços de informação ou
impelindo a refinamentos substantivos. Isso vem de dentro e de fora da CI, com
crescente competição. Uma ampla variedade de redes de informação, algumas
empurrando as fronteiras, outras em diferentes estágios de concretização, está
prometendo mudar radicalmente a qualidade e a quantidade da comunicação e mesmo
da informação comunicada.
Em seguida, e em sentido mais amplo, a
evolução da sociedade da informação está em aceleração, sendo claramente
visível na Europa, nos Estados Unidos e na orla do Pacífico. Os papéis
econômico e social de toda e qualquer atividade de informação estão se tornando
mais e mais pronunciados; sua importância estratégica ultrapassa o nível da
cooperação regional e global, em direção ao desenvolvimento nacional e ao progresso
social, bem como em direção aos avanços organizacionais e vantagens competitivas.
Finalmente, as relações interdisciplinares estão mudando. Particularmente as relações
com a ciência da computação e a inteligência artificial estão se tornando mais aparentes
em aplicações, e com a ciência cognitiva, nos trabalhos teóricos e experimentais.
Os princípios e técnicas da recuperação da informação estão sendo disseminados
para aplicações fora da CI, como por exemplo, a reutilização de software.
Além disso, um crescente número de
campos, não diretamente ligados à informação como objeto de estudo ou
aplicação, está adentrando a arena da informação de forma séria, haja vista a
emergência da informática médica nas escolas de medicina.
Em quaisquer dessas áreas, os problemas
da informação não estão diminuindo, mas sendo transformados. Algumas apresentam
maiores desafios e questões para a pesquisa, o desenvolvimento e a prática
profissional da CI, como discutiremos a seguir.
10.1 O humano nas relações
homem-tecnologia
Se existe um consenso de que as áreas
citadas na seção acerca da definição de problemas sejam as que apresentam as
questões principais e mais amplas sugeridas pela CI - e a revisão de literatura
indica que esse consenso de fato existe -então, o próximo passo é, obviamente,
refletir sobre a pergunta: a partir de qual enfoque, ou em que bases devem ser
colocados os problemas: humana ou tecnológica? A tecnologia constitui, por si
mesma, um problema ou uma solução? Ou ambos? A tecnologia é, sem dúvida,
central em CI, mas é também fundamental, por exemplo, para a ciência da
computação? Ou são os aspectos humanos (conhecimento, registros do
conhecimento, comunicação, contextos individual, institucional e social, necessidade
e uso da informação...) fundamentais como alicerces sobre os quais as soluções
tecnológicas devem ser construídas?
A relação homem-tecnologia é o ponto
fraco, a questão não resolvida filosófica, científica ou profissionalmente na
CI, assim como também o é em outros campos fortemente envolvidos com a
tecnologia. A CI tem oscilado entre dois extremos -humano e tecnológico - sem
se definir claramente por qualquer deles ou estabelecer um equilíbrio
confortável. Embora exista, ultimamente, uma clara oscilação do pêndulo em
direção ao lado humano da equação, o extremo tecnológico continua sendo a amarra
que dirige a inclinação do campo em sua totalidade e não apenas do campo -é
visível que esta é a característica da sociedade da informação. De toda forma,
muitas décadas de experiência com as mais diversas soluções tecnológicas para
acessar e utilizar a informação (algumas mais sedutoras, elegantes ou convenientes)
nos demonstram que ainda estamos engatinhando, com uma modesta compreensão do quão
pouco conhecemos, em sentido formal, sobre os aspectos humanos (social, institucional,
individual...) e comportamentais relacionados com o conhecimento e a informação.
Sobretudo, nos demonstram que muitos dos conceitos acerca desses aspectos,
humanos e comportamentais, que constituem a base sobre a qual são planejadas as
aplicações tecnológicas, não funcionam mais. Então, a síntese final indica, não
um conflito, mas uma necessidade de equilíbrio.
Parece que a pesquisa em CI atingiu um
patamar. Podem as aplicações tecnológicas sem clareza ou ajustes acerca dos
aspectos humanos e comportamentais, atingir seu ponto alto? Parece que sim.
Mas, podem os direcionamentos dados agora, com as novas perspectivas cognitivas
ou com a ênfase na inteligência ou na IA, prover o impulso para se buscar novo
patamar? para atingir o equilíbrio entre os aspectos humanos e tecnológicos?
Essas proposições são mais específicas que aquelas genéricas sobre a relação
homem-tecnologia.
Essas questões estão adquirindo maior
visibilidade e maior urgência pela rápida mudança da própria tecnologia da
informação e pela significativa extensão da capacidade técnica disponibilizada
pelos avanços na computação, armazenagem, exposição, comunicação, interligação
em redes, etc. Um levantamento de tais capacidades é em si mesmo, uma tarefa
complexa. Em outras palavras, o lado tecnológico da equação homem-tecnologia
está em contínua expansão. Esse fato torna o equilíbrio da relação muito mais
difícil, a ponto de prevalecer uma concepção que acredita ser mais fácil
ensinar e ajustar os humanos, isto é, moldar o humano ao sistema, do que
vice-versa.
A importância crítica de se buscar o
equilíbrio da relação homem-tecnologia na problemática estudada pela CI reside
no simples e incontroverso tru smo de que, toda e qualquer aplicação da
tecnologia e das técnicas, sem objetivos claros, com conceitos indefinidos ou
uma filosofia nebulosa, introduzirão a barbárie. Gostaria de sugerir que os
objetivos, a filosofia e os conceitos determinantes para o equilíbrio
homem-tecnologia precisam originar-se do seu lado humano. O testemunho de que
isso não está acontecendo vem das inúmeras associações e comitês em muitos
países, todos enfocando a necessidade de orientação aos usuários no
fornecimento de informação ou aplicações da tecnologia de informação.
Subjacente à variedade de recomendações desses grupos, existe uma certa
"revolta do usuário", uma avaliação consciente ou uma compreensão
subconsciente de que em lugar da adaptação da tecnologia ao entendimento
racional do comportamento humano frente à informação e ao ambiente informacional
amplo, a situação foi revertida, criando mais o exacerbamento do que a solução
para os problemas da explosão informacional.
10.2 Mudando os critérios de eficácia
O segundo ponto a ser considerado aqui
diz respeito à eficácia que resulta proximamente, ou mesmo diretamente, da
questão da tecnologia. Desde os primórdios da CI, a noção de eficácia (por
exemplo, a comunicação eficaz do conhecimento, o acesso eficiente aos recursos
informacionais, a relevância e utilidade da informação, a qualidade da
informação...) tem sido uma preocupação central. Os critérios de eficácia foram
e continuam, claramente, sendo derivados da perspectiva humana, ou de considerações
do comportamento informativo, mais do que de perspectivas ou critérios
tecnológicos. Em outras palavras, enquanto a tecnologia é usada abundantemente,
a eficácia de seu uso é colocada estritamente em termos humanos.
Neste sentido, a relação
eficácia-tecnologia torna-se um acontecimento acima e além da própria
tecnologia. A pergunta: "até que ponto as aplicações tecnológicas
permitem, realmente, o eficiente acesso à informação e à comunicação dos amplos
estoques disponíveis de conhecimento?" transforma-se em questão
fundamental. Geralmente, esses pontos ficam perdidos em meio à sedução das
aplicações tecnológicas. Em muitas situações de pesquisa e desenvolvimento elas
sequer são colocadas, como por exemplo, em muitas das pesquisas sobre sistemas
inteligentes.
O ponto destacado é: "pode a noção
de eficácia ser recuperada ou novamente redefinida como um aspecto crítico
central da CI, um parâmetro para se avaliarem osavanços na pesquisa e na prática
profissional? Em caso afirmativo, sob quais critérios?
Por muito tempo, o principal critério
para se enfocar a eficácia foi a relevância e/ ou utilidade da informação. Mas,
mais recentemente, tem-se escutado apelos por outros critérios - como qualidade,
seletividade, veracidade, síntese, e/ou impacto da informação. O fato
estatístico chave da explosão informacional está bem estabelecido - por
exemplo, em ciência e tecnologia, o número de publicações dobra aproximadamente
a cada catorze anos. A qualidade destas publicações varia amplamente. Algumas
investigações estabeleceram leis empíricas, demonstrando que apenas uma pequena
parte é altamente utilizada, considerada de alta qualidade, ou citada, e o uso,
qualidade e citação das restantes declinam rapidamente. Parece que um processo
natural, darwiniano, de seleção está em curso. Foram estabelecidos muitos
sistemas de informação abrangentes, justificadamente, para controlar a explosão
informacional em muitos campos. De toda forma, devido à natureza dessa explosão,
os grandes sistemas de informação, inclusive as bibliotecas, arriscam-se (parafraseando
Goethe), a serem transformadas de uma casa do tesouro em armazém e deste, em
depósito de sucata.
Afinal, essa é uma percepção crescente
por parte de muitos usuários frustrados. A orientação para o desenvolvimento de
bases de conhecimento (sintetizadas, avaliadas, continuamente atualizadas e
ligadas de forma variada, a acervos de conhecimento ou manuais eletr nicos)
está baseada de forma inequívoca nessa percepção e assertiva. Do mesmo modo o
são as idéias de sistemas seletivos de informação (concentrados apenas nas
melhoresrevistas ou fontes de um determinado campo ou área) ou sistemas
fornecedores de informa esde qualidade ou informações de valor para o processo
decisório de altos escalões gerenciais. A mudança das demandas e dos critérios
de eficácia estão dando ímpeto ao desenvolvimento de novos produtos em sistemas
de informação.
As questões que devem ser propostas,
então, são: até que ponto estão claros estes novos critérios de qualidade? São
compreensíveis? Como são os novos critérios de qualidade face aos antigos de
relevância ou utilidade? Que relações podem ou devem ser mantidas entre os
critérios novose os antigos? A configuração futura dos serviços e sistemas de
informação será determinada pelas respostas a essas questões.
10.3 Isolamento na ecologia
informacional
Tendo principiado com a Renascença e a
invenção da imprensa, seguida pela emergência da ciência moderna, a comunicação
do conhecimento evoluiu em um sistema sócio-ecológico, tão complexo e
interrelacionado como qualquer ecologia biológica. Grosso modo, essa ecologia
informacional envolve: os produtores de conhecimento (autores, inventores,
pesquisadores, coletores...) e as instituições onde trabalham ou residem; os
financiadores dessas instituições e trabalhos; os editores (em qualquer media),
incluindo seus próprios mecanismos de seleção, editoração, julgamento,
avaliação, publicação...; os canais de divulgação; os reelaboradores (por exemplo,
produtores de bases de dados, em qualquer mediatambém) incluindo seus mecanismos
próprios de seleção, tratamento, disseminação...; as bibliotecas e serviços de
informação, também com seus mecanismos; os usuários e suas instituições fechando
a cadeia ecológica.Existem muitas elaborações específicas, cada qual com seus jogadores,
depositários e mecanismos que, eventualmente, afetam o conjunto da ecologia
informacional. As perturbações em qualquer dos elementos principais da ecologia
afetam o todo.
Obviamente, a tecnologia sempre
desempenhou papel importante na ecologia informacional (o chamado efeito de
Gutemberg); presentemente, tem um papel crítico tanto na sua evolução, assim
como na evolução da sociedade contemporânea. De todo modo, não se pode exagerar
o fato de que a ecologia informacional é fundamentalmente social em sua
natureza. Ela é uma ecologia social, onde o social, incluindo os fatores
econômicos, políticos, culturais e educacionais, desempenha papel predominante.
Os vários elementos ou atores na
ecologia informacional, embora claramente interrelacionados, funcionam, na
prática, em relativo isolamento uns dos outros. Além disto, as tensões naturais
entre os vários atores estão evoluindo para conflitos abertos, tais como entre
editores X reelaboradores; editores e reelaboradores X bibliotecários; setores
privados X públicos; autores X editores; usuários X todos; e assim sucessivamente.
Vários desses atores estão em conflito quanto às suas funções, cada um deles
enxergando a ecologia informacional segundo um ponto de vista singular e aguardando
desdobramentos diferentes. Tais isolamentos e conflitos não permitem um cenário
adequado para a ecologia como um todo.
No nível mais específico, os vários
mecanismos e padrões para tratamento da informação pelos muitos atores da
cadeia ecológica não são compatíveis; por exemplo, os editores tratam os textos
de forma totalmente diferenciada daquela usada pelosreelaboradores que
trabalham com as representações desses textos, ou ainda da forma utilizada
pelos bibliotecários em sua catalogação. Até que a tecnologia tenha capacidade
para permitir a interação direta entre os vários manipuladores da informação,
tal incompatibilidade não constitui problema sério. Mas, com o aumento das
novas capacidades tecnológicas e do número de novos atores no processo, além das
crescentes demandas de informação orientada para o usuário, o alto grau de incompatibilidade
torna-se crítico, um empecilho à evolução contínua da ecologia, possivelmente,
até mesmo uma ameaça ao seu desempenho e funcionamento globais.
Dois pontos devem ser considerados aqui.
Primeiro, buscar soluções emecanismos que diminuam o isolamento e os conflitos
entre os vários elementos da cadeia. Segundo, propiciar maior grau de
compatibilidade, para que os vários atores possam interagir com toda a
potencialidade permitida pela moderna tecnologia e demandada pelas necessidades
contemporâneas e futuras de informação.
Certamente, existem muitas questões
técnicas complexas envolvidas que requerem grande esforço de trabalho e
atenção, como a criação e implementação de padrões técnicos. Ainda assim, as
questões não são primeiramente técnicas, mas sociais, isto é, econômicas,
políticas e culturais. Desafortunadamente, os problemas e relações em ecologia
informacional, da forma como evoluíram nas duas últimas décadas, ainda não estão
bem estabelecidos ou claramente entendidos. Essas relações e problemas constituem
uma área importante para estudo.
A noção de ecologia informacional aponta
para uma questão adicional mais ampla. Qualquer estudo sobre problemas
específicos da informação e as tentativas de solução, para serem significativos
e bem sucedidos, não podem ser desenvolvidos isoladamente dos demais atores e
mecanismos da cadeia ecológica. Os princípios ecológicos devem ser invocados.
Por exemplo, a otimização de um elemento ecológico não significa,
necessariamente, um melhor funcionamento total da ecologia; ao contrário,
algumas vezes pode representar o declínio do seu equilíbrio. Em outras palavras,
o estudo e a solução de qualquer problema específico da informação exige, como
regra, a consideração dos vários outros atores e mecanismos no conjunto maior da
ecologia informacional. Os problemas tratados pela CI, ou por algum outro camporelacionado
com qualquer aspecto da ecologia informacional, devem ser enfocados como
complexos problemas ecológicos.
10.4 A necessidade da ciência da
informação
O problema proposto pela CI "a
tarefa massiva de tornar mais acessível um acervo crescente de
conhecimento", assim como todos os problemas mais específicos que se seguiram,
estão ainda à nossa volta e estarão aí com ou sem a CI. A questão de se aplicar
a tecnologia da informação na solução dos problemas informacionais continua e
continuará com ou sem a CI. A evolução da ecologia informacional pode se processar
com ou sem a CI. Existindo ou não um campo organizado chamado CI, os problemas
não terminarão. Os problemas estão aí, independentemente de sua rotulação. As
razões sociais para sua colocação são evidentes e urgentes. A questão é, então,
quem vai direcioná-Ios, como e onde.
Nas últimas quatro décadas a CI
apresentou contribuições que influenciaram o modo como a informação é
manipulada na sociedade e pela tecnologia e também permitiu melhor compreensão
para um rol de problemas, processos e estruturas associados ao conhecimento, à
informação e ao comportamento humano frente à informação. A CI desenvolveu um
corpo organizado de conhecimentos e competências profissionais ligados às
questões informacionais. Os fatos demonstram a veracidade dessas conclusões.
Certamente, a CI não é o único campo que
se ocupa com estas questões. Ela não detém o seu monopólio, como também não o
faz nenhum outro campo. Entretanto, mudanças significativas estão ocorrendo em
muitos campos pelo surgimento de problemas informacionais semelhantes, embora
algumas vezes, de forma bastante diferente. Eventualmente, a questão é: que
formas parecem ser mais promissoras no desvendamento do rol de questões
informacionais? Como poderemos atingir maior aprofundamento no trato dessas
questões? Essas são situações legítimas para o debate intelectual e
profissional.
Finalmente, não importa se a atividade
que trata dessas questões seja chamada de CI, informática, ciências da
informação, estudos de informação, ciências da computação e da informação,
inteligência artificial, ciência da informação e engenharia, biblioteconomia e
ciência da informação, ou qualquer outra forma, desde que os problemas sejam
enfocados em termos humanos e não tecnológicos. Mas, a CI sob qualquer nome,
significando um corpo organizado de conhecimentos ecompetências, teve e pode
continuar tendo grande contribuição nesses estudos. Tem um registro comprovado
de interdisciplinaridade. Sob qualquer nome ou patrocínio, as atividades
profissionais e científicas desempenhadas pela CI são necessárias.
Sobretudo, a necessidade dessa atividade
organizada é crítica para a sociedade moderna. Preenchendo tal necessidade, a
CI poderá ser melhor definida e reestruturada, como a sociedade requer.
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