sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

RESUMO DA ORIGEM E DA EVOLUÇÃO DAS CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO, DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO - TÓPICO 2



Blog “Ciências Exatas Contemporâneas”, de autoria de Álaze Gabriel.


1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste ensaio é explorar a evolução e a natureza mutante da ciência da informação (CI). Pretendo realizar esta exploração do ponto de vista de sua problemática, atendendo ao argumento de POPPER (1972) de que "... não somos estudantes de assuntos, mas estudantes de problemas. E os problemas constituem os recortes de qualquer assunto ou disciplina." Um campo é definido pelos problemas que são propostos e a CI é definida como um campo englobando, tanto a pesquisa científica quanto a prática profissional, pelos problemas que propõe e pelos métodos que escolheu, ao longo do tempo, para solucioná-Ios.
Evolução da ciência da informação (CI) enfocando os problemas surgidos ao longo dos tempos. A origem histórica da CI é discutida, juntamente com seu papel social na evolução da sociedade da informação. O trabalho de recuperação da informação é analisado em termos de sua influência no desenvolvimento da CI e da indústria da informação. A evolução dos diferentes enfoques do problema é apresentada e proposta uma definição contemporânea de CI. São examinadas as relações interdisciplinares com quatro campos: biblioteconomia, ciência da computação, ciência cognitiva (incluindo inteligência artificial) e comunicação. Como conclusão são sumariadas algumas questões e problemas enfrentados contemporaneamente pela CI.
Três são as características gerais que constituem a razão da existência e da evolução da CI; outros campos compartilham-nas. Primeira, a CI é, por natureza, interdisciplinar, embora suas relações com outras disciplinas estejam mudando. A evolução interdisciplinar está longe de ser completada. Segunda, a CI está inexoravelmente ligada à tecnologia da informação. O imperativo tecnológico determina a CI, como ocorre também em outros campos. Em sentido amplo, o imperativo tecnológico está impondo a transformação da sociedade moderna  em sociedade da informa ão, era da informa ão ou sociedade p s-industrial. Terceira, a CI é, juntamente com muitas outras disciplinas, uma participante ativa e deliberada na evolução da sociedade da informação. A CI teve e tem um importante papel a desempenhar por sua forte dimensão social e humana, que ultrapassa a tecnologia.
Essas três características ou razões constituem o modelo para compreensão do passado, presente e futuro da CI e dos problemas e questões que ela enfrenta.

2 ORIGEM E ANTECEDENTES SOCIAIS

Como muitos outros campos interdisciplinares (como ciência da computação, pesquisa operacional) a CI teve sua origem no bojo da revolução científica e técnica que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Esse processo de emergência de novos campos ou de refinamento/substituição de conexões interdisciplinares dos campos antigos, de forma alguma está terminado, como testemunha a emergência, na última década ou pouco mais, da ciência cognitiva. Portanto, a CI está seguindo os mesmos passos evolutivos de muitos outros campos.
Dentre os eventos históricos marcantes, o ímpeto de desenvolvimento e a própria origem da CI podem ser identificados com o artigo de VANNEVAR BUSH, respeitado cientista do MIT e chefe do esforço científico americano durante a Segunda Guerra Mundial (BUSH,1945). Nesse importante artigo, BUSH fez duas coisas: (1) definiu sucintamente um problema crítico que estava por muito tempo na cabeça das pessoas, e (2) propôs uma solução que seria um ajuste tecnológico, em consonância com o espírito do tempo, além de estrategicamente atrativa. O problema era (e, basicamente, ainda é) "a tarefa massiva de tornar mais acessível, um acervo crescente de conhecimento"; BUSH identificou o problema da explosão informacional- o irreprimível crescimento exponencial da informação e de seus registros, particularmente em ciência e tecnologia.
A solução por ele proposta era a de usar as incipientes tecnologias de informação para combater o problema. E foi mais longe, propôs uma máquina chamada MEMEX, incorporando (em suas palavras) a capacidade de associar idéias,que duplicaria "os processos mentais artificialmente". É bastante evidente a antecipação do nascimento da CI e, até mesmo, da inteligência artificial.
Cientistas e engenheiros de todo o mundo, e os mais importantes governos e agências de financiamento em muitos países ouviram e agiram. Nos Estados Unidos, o Congresso e outras agências governamentais aprovaram, durante os anos 50 e 60, inúmeros programas estratégicos que financiaram os esforços em larga escala para controlar a explosão informacional, primeiro na ciência e tecnologia, e depois em todos os outros campos. Empresas privadas uniram-se a eles. Eventualmente, esses programas e esforços foram responsáveis pelo desenvolvimento da moderna indústria da informação e das concepções que a direcionam.
A lógica estratégica original que fundamentou tais programas e esforços era a seguinte: uma vez que a ciência e a tecnologia são críticas para a sociedade (por exemplo, para a economia, saúde, comércio, defesa) é também crítico prover os meios para o fornecimento de informações relevantes para indivíduos, grupos e organizações envolvidas com a ciência e a tecnologia, já que a informação é um dos mais importantes insumos para se atingir e sustentar o desenvolvimento em tais áreas.
Posteriormente, essa justificativa, baseada na importância estratégica da informação, foi estendida a todos os campos, a todas as tarefas humanas e a todos os tipos de empreendimentos. Esta justificativa foi e é aplicada globalmente. Atualmente, ela reapareceu entre outros, nos esforços de companhias e agências em fornecer inteligência estratégica ou competitiva, e em diferentes programas de informação da União Européia e de outros países.
Como WERSIG & NEVELLlNG (1975) apontaram, a CI desenvolveu-se historicamente porque os problemas informacionais modificaram completamente sua relevância para a sociedade ou, em suas palavras, "atualmente, transmitir o conhecimento para aqueles que dele necessitam é uma responsabilidade social, e essa responsabilidade social parece ser o verdadeiro fundamento da CI". Problemas informacionais existem há longo tempo, sempre estiveram mais ou menos presentes, mas sua importância real ou percebida mudou e essa mudança foi responsável pelo surgimento da CI, e não apenas dela.
Apesar de os Estados Unidos desempenharem o papel mais proeminente no desenvolvimento da CI (como fizeram com a ciência da computação), nem os problemas informacionais nem a CI são americanos em sua natureza. Eles são internacionais ou globais. Não existe mais uma "CI americana", assim como não existem ciência da computação ou ciência cognitiva americanas. A evolução da CI nos vários países ou regiões acompanhou diferentes acontecimentos ou prioridades distintas, mas a justificativa e os conceitos básicos são os mesmos globalmente. O despertar da CI foi o mesmo em todo o mundo.

3 EVOLUÇÃO DA RECUPERAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Nos anos 50, uma massa crítica de cientistas, engenheiros e empreendedores começaram entusiasticamente a trabalhar o problema e a solução apontados por BUSH. Nos anos 60, esse trabalho tornou-se uma atividade relativamente ampla, bem financiada e organizada, que deu origem a debates estimulantes e a acalorada argumentação acerca das melhores e mais adequadas soluções (técnicas, conceitos, sistemas, etc).
Calvin MOOERS (1951) cunhou o termo recuperação da informação, destacando que ele "engloba os aspectos intelectuais da descrição de informações e suas especificidades para a busca, além de quaisquer sistemas, técnicas ou máquinas empregados para o desempenho da operação."
Considerando o problema da informação conforme definido, isto é, aexplosão informacional, a recuperação da informação tornou-se uma solução bem sucedida encontrada pela CI e em processo de desenvolvimento até hoje. Como toda solução suscita seus próprios e específicos problemas, assim também a recuperação da informação e esses problemas estão contidos na concepção proposta por MOOERS:

a) como descrever intelectualmente a informação?
b) como especificar intelectualmente a busca?
c) que sistemas, técnicas ou máquinas devem ser empregados?

Embora tenham surgido outros problemas, mais específicos, esses três continuam fundamentais ainda hoje. De tais questões, surgiu uma grande variedade de conceitos e construtos teóricos, empíricos e pragmáticos, bem como numerosas realizações práticas. Muitos exemplos históricos podem ilustrar a marcante evolução de sistemas, técnicas e/ou máquinas utilizados para recuperação da informação. Sua variedade vai dos cartões perfurados aos CD-ROMs e acesso on line;dos sistemas não-interativos àqueles de múltiplas possibilidades de interação, com interfaces inteligentes, transformando a recuperação de informação em um processo altamente interativo; de bases documentais para bases de conhecimento; dos textos escritos aos multimídia; da recuperação de citações à recuperação de textos completos; e ainda aos sistemas inteligentes e de respostas a perguntas.
O trabalho determinado pela necessidade de recuperar informações suscitou questões e promoveu pesquisas exploratórias de fenômenos, processos e variáveis, bem como das causas, efeitos, comportamentos e manifestações relacionados.
Historicamente, este fato conduziu a estudos teóricos e experimentais sobre a natureza da informação, a estrutura do conhecimento e seus registros (incluindo bibliometria), o uso e os usuários, levando a estudos do comportamento humano frente à informação; a interação homem-computador, com ênfase no lado humano da equação; relevância, utilidade, obsolescência e outros atributos do uso da informação juntamente com medidas e métodos de avaliação dos sistemas de recuperação da informação; economia, impacto e valor da informação, dentre outros.
Bastante significativa, também, foi a emergência do pragmatismo na aplicação empresarial da recuperação da informação: a indústria informacional ou, para ser mais preciso, o setor que lida com a criação e distribuição de bases de dados e de serviços on line decorrentes, bem como o acesso à informação e sua disseminação. Essa indústria da informação tem suas raízes diretamente relacionadas com os trabalhos de recuperação da informação dos anos 50 e 60, que culminaram com a emergência de serviços on linenos 70 e com a viabilização internacional da indústria da informação nos anos 80.
Resumindo, o trabalho com a recuperação da informação foi responsável pelo desenvolvimento de inúmeras aplicações bem sucedidas (produtos, sistemas, redes, serviços). Mas, também, foi o responsável por duas outras coisas: primeiro, pelo desenvolvimento da CI como um campo onde se interpenetram os componentes científicos e profissionais. Certamente, a recuperação da informação não foi a única responsável pelo desenvolvimento da CI, mas pode ser considerada como principal; ao longo do tempo, a CI ultrapassou a recuperação da informação, mas os problemas principais tiveram sua origem aí e ainda constituem seu núcleo. Segundo, a recuperação da informação influenciou a emergência, a forma e a evolução da indústria informacional. Novamente, a recuperação da informação não foi o único fator, mas o principal. Como a CI, a indústria da informação atualmente não é apenas recuperação da informação, mas esta é o seu componente mais importante.

4 EVOLUÇÃO DAS DEFINIÇÕES E DA ORIENTAÇÃO POR PROBLEMAS

Se aceitamos a afirmativa feita na Introdução de que um campo é definido pelos problemas que coloca, então, uma descrição de alguns conceitos pode permitir uma visão da evolução da CI relativa aos problemas propostos desde sua origem. O conceito de CI como um campo emergiu no início dos anos 60. As discussões feitas nessa época foram sintetizadas por BORKO (1968):

"CI é a disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam seu fluxo, e os meios de processá-la para otimizar sua acessibilidade e uso. A CI está ligada ao corpo de conhecimentos relativos à origem, coleta, organização, estocagem, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e uso de informação... Ela tem tanto um componente de ciência pura, através da pesquisa dos fundamentos, sem atentar para sua aplicação, quanto um componente de ciência aplicada, ao desenvolver produtos e serviços."

Na década de 70, o conceito e a abrangência da CI enquanto ciência foram afunilados pela definição mais específica dos fenômenos e processos que deveriam ser analisados. GOFFMAN (1970) sumarizou-o como se segue: "O objetivo da disciplina CI deve ser o de estabelecer um enfoque científico homogêneo para estudo dos vários fenômenos que cercam a noção de informação, sejam eles encontrados nos processos biológicos, na existência humana ou nas máquinas...Conseqüentemente, o assunto deve estar ligado ao estabelecimento de um conjunto de princípios fundamentais que direcionam o comportamento em todo processo de comunicação e seus sistemas de informação associados... (A tarefa da CI) é o estudo das propriedades dos processos de comunicação que devem ser traduzidos no desenho de um sistema de informação apropriado para uma dada situação física".
Tendo se iniciado no começo dos anos 60, prolongando-se até hoje, as questões acerca da natureza, manifestações e efeitos dos fenômenos básicos (a informação, o conhecimento e suas estruturas) e processos (comunicação e uso da informação) tornaram-se os principais problemas propostos pela pesquisa básica em CI. Incluem-se aí, dentre outras, tentativas de se formalizarem as propriedades da informação pela aplicação da teoria da informação, da teoria das decisões e outros construtos da ciência cognitiva, da lógica e/ou da filosofia; várias formas de estudos de uso e de usuários; formulações matemáticas da dinâmica das comunicações (como a teoria epidêmica da comunicação); ricas análises em bibliometria e cienciometria, pela quantificação das estruturas do conhecimento (como a literatura e a esfera científica) e de seus efeitos (como as redes de citações), etc. Portanto, paralelamente com a aplicação da pesquisa e desenvolvimento, principalmente centrados em torno da recuperação da informação, uma linha básica de pesquisa evoluiu para CI, sendo em alguns casos tão rigorosa, matemática, lógica ou estatisticamente, como qualquer outra pesquisa científica similar.
Por volta dos anos 70, o paradigma da recuperação da informação deslocou-se em direção à uma contextualização mais ampla, voltando-se para os usuários e suas interações. No sentido dado por POPPER, esse fato reflete uma compreensão mais aprofundada do problema do que originalmente identificado por MOOERS. Discutindo os princípios da recuperação da informação e a necessidade de se construir sua teoria, KOCHEN (1974) afirmou:

"Podemos conceitualizar o sistema de conhecimento, no qual se inscreve a recuperação de informação, como composto por três partes; (a) as pessoas em seu papel de processadores de informações; (b) os documentos em seu papel de suportes de informações; (c) os tópicos como representações. Estamos interessados no ciclo de vida de cada um destes três objetos e na dinâmica de interação entre eles. Portanto, devemos considerar a variável comum aos três: tempo. "

Em meados da década de 70, era amplamente reconhecido que a base da CI dizia respeito aos processos de comunicação humana (isto é, um aprofundamento da definição proposta por BUSH), ou como BELKIN & ROBERTSON (1976) resumiram: "O propósito da CI é facilitar a comunicação de informações entre seres humanos." Similarmente, BECKER (1976) definiu a CI como o estudo do modo pelo qualas pessoas "criam, usam e comunicam informações".
Mais recentemente (começo da década de 80) a administração foi acrescentada como um elo básico da CI. Na literatura do período, a American Society for Information Science (ASIS) definiu-se como: "(A) organização profissional para aqueles envolvidos com o desenho, a administração e o uso de sistemas e tecnologias de informação."
Finalmente, devo redefinir a CI nos termos em que evoluiu e no seu enfoquecontemporâneo (1990): “A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO é um campo dedicado às questões científicas e à prática profissional voltadas para os problemas da efetiva comunicação do conhecimento e de seus registros entre os seres humanos, no contexto social, institucional ou individual do uso e das necessidades de informação. No tratamento. destas questões são consideradas de particular interesse as vantagens das modernas tecnologias informacionais."
As palavras-chave desta definição indicam as áreas de concentração de problemas para a pesquisa e a prática profissional - significando os enfoques intelectual e profissional, bem como as fronteiras da CI. Estas são propostas na CI através de esforços teóricos, experimentais, profissionais e/ou pragmáticos, individualmente ou em várias combinações interrelacionadas. São elas:

a) efetividade
b) comunicação humana
c) conhecimento
d) registros do conhecimento
e) informação
f) necessidades de informação
g) usos da informação
h) contexto social
i) contexto institucional
j) contexto individual
I) tecnologia da informação

Pela sua própria natureza, essas são áreas-problema altamente complexas e, como todos os problemas complexos são tratados de várias formas em muitos campos (assim como o são os problemas relacionados com a energia, matéria, vida, etc). Então, pelo imperativo dos problemas propostos, a CI é um campo interdisciplinar.

5 EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

Os problemas básicos de se compreender a informação e a comunicação, suas manifestações, o comportamento informativo humano e os problemas aplicados ligados ao "tornar mais acess vel um acervo crescente de conhecimento", incluindo as tentativas de ajustes tecnológicos, não podem ser resolvidos no âmbito de uma única disciplina. Este fato ficou claro, a partir da afirmação de BUSH, para todos que refletiram acerca das complexidades envolvidas. Problemas complexos demandam enfoques interdisciplinares e soluções multidisciplinares.
A interdisciplinaridade foi introduzida na CI pela própria variedade da formação de todas as pessoas que se ocuparam com os problemas descritos. Entre os pioneiros havia engenheiros, bibliotecários, químicos, lingüistas, filósofos, psicólogos, matemáticos, cientistas da computação, homens de negócios e outros vindos de diferentes profissões ou ciências. Certamente, nem todas as disciplinas presentes na formação dessas pessoas tiveram uma contribuição igualmente relevante, mas essa multiplicidade foi responsável pela introdução e permanência do objetivo interdisciplinar na CI.
Enfocarei as relações interdisciplinares entre a CI e quatro campos: biblioteconomia, ciência da computação, ciência cognitiva (incluindo inteligência artificial - IA) e comunicação. Obviamente, outros campos também mantêm relações interdisciplinares com a CI, mas nenhum desenvolveu-as de forma tão pronunciada e significante como esses quatro.

6 BIBLIOTECONOMIA

A biblioteconomia tem uma longa e orgulhosa história, remontando a três mil anos, devotada à organização, à preservação e ao uso dos registros gráficos humanos. Essas atividades são realizadas pelas bibliotecas não apenas como uma organização particular ou um tipo de sistema de informação, mas principalmente, como uma instituição social, cultural e educacional indispensável, de valor comprovado muitas vezes ao longo da história humana e através das fronteiras das diferentes culturas, civilizações, nações ou épocas. SHERA (1972) define as bibliotecas como: "...contribuindo para o sistema total de comunicação na sociedade... Embora as bibliotecas tenham sido criadas como instrumentos para maximizar a utilização dos registros gráficos em benefício da sociedade, elas atingem sua meta trabalhando com os indivíduos e através deles, atingem a sociedade. "
O campo comum entre a biblioteconomia e a CI, que é bastante forte, consiste no compartilhamento de seu papel social e sua preocupação comum com os problemas da efetiva utilização dos registros gráficos. Mas existem também diferenças significativas em alguns aspectos críticos, dentre eles: (1) seleção dos problemas propostos e a forma de sua definição; (2) questões teóricas apresentadas e os modelos explicativos introduzidos; (3) natureza e grau de experimentação e desenvolvimento empírico, assim como o conhecimento prático/competências derivadas; (4) instrumentos e enfoques usados; e (5) a natureza e a força das relações interdisciplinares estabelecidas e sua dependência para o avanço e evolução dos enfoques interdisciplinares. Todas estas diferenças comprovam a conclusão que biblioteconomia e CI são dois campos diferentes, com forte relação interdisciplinar e não um único campo, em que um consiste na manifestação especial do outro. Não se trata de uma polêmica, acadêmica ou profissional, ou ainda argumentações do tipo melhorou pior.
Tais argumentos, embora comuns entre muitos campos modernos (por exemplo, psicologia e ciência cognitiva, ou entre os oponentes e os proponentes quando se considera a ciência da computação como um ramo das engenharias), significam pouco para o avanço de qualquer área e são completamente irrelevantes na aplicação científica, técnica ou profissional. São importantes, entretanto, as diferenças na seleção e/ou definição de problemáticas, paradigmas, metodologias e soluções teóricas ou práticas. A conclusão, então, é que biblioteconomia e CI, embora relacionadas, constituem campos diversos.
As diferenças ficam mais evidentes pela agenda das pesquisas. O que as agências de fomento estão financiando como pesquisa em CI é inteiramente diferente daquilo que financiam em pesquisas biblioteconômicas. Isso é válido para todos os países que tem pesquisas financiadas nas áreas de CI e de biblioteconomia.
Similarmente, existem muitas e pronunciadas diferenças nos programas dos respectivos congressos, por exemplo, entre os encontros do Special Group of Interest on Information Retrieval (SIGIR) da Association of Computing Machinery e os encontros de qualquer associação de bibliotecas. Embora a CI e a biblioteconomia sejam grandes aliadas, a ponto de muitos assumirem o termobiblioteconomia e ciência da informaçãopara descrever um mesmo campo de estudos, na realidade, as diferenças apontadas são de tamanha importância qualitativa que desautorizam tal união, além de refletirem-se de algum modo em ambos os campos. Mas, a relação está posta e continua evoluindo.

7 CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO

A base da relação entre CI e ciência da computação reside na aplicação dos computadores e da computação na recuperação da informação, assim como nos produtos, serviços e redes associados. Para ilustrar a conexão, usarei uma definição recente (DENNING et al.,1989):

“A disciplina da computação é o estudo sistemático dos processos algorítmicos que descrevem e transferem informações; sua teoria, análise, desenho, eficiência, implementação e aplicação. A questão fundamental subjacente a toda computação é "o que pode ser eficientemente automatizado?"

Como pode ser percebido, a ciência da computação trata de algoritmos que transformam informações enquanto a CI trata da natureza mesma da informação e sua comunicação para uso pelos humanos. Ambos os objetos são interrelacionados e não competidores, mas complementares. Eles levam a agendas básicas e aplicadas diferentes.
Um grande número de cientistas da computação estiveram proximamente envolvidos com pesquisa e desenvolvimento em recuperação da informação, assim como em muitos de seus desdobramentos, a ponto de serem reconhecidos como líderes em CI. Gerald SALTON é um bom exemplo. Por outro lado, existe uma vertente de pesquisa e desenvolvimento em ciência da computação que pouca ligação tem com os estudos iniciais em CI. Essa inclui os trabalhos com sistemas inteligentes, bases de conhecimento, hipertextos e sistemas relacionados, interfaces inteligentes e interação homem-computador e mesmo reutilização de software. Essas áreas tem um significativo componente informacional, associado com a representação da informação, sua organização intelectual e encadeamentos; busca e recuperação de informação; a qualidade, o valor e o uso da informação - todos tradicionalmente tratados pela CI. De modo inverso, essa corrente de pesquisa e desenvolvimento na ciência da computação fornece diferentes visões, modelos e enfoques e um paradigma diverso para a pesquisa e desenvolvimento em CI. Portanto, as relações interdisciplinares estão evoluindo em direção a um nível diferente de cooperação intelectual. Aqui também, como no caso da biblioteconomia, este não é um argumento fortuito. Se existe um questionamento, esse deve relacionar-se com a adequação do paradigma, isto é, a interrelação dos problemas e do enfoque das soluções.
Uma das áreas chave de interesse para ambas, ciência da computação e CI, é a inteligência artificial (IA). Embora a IA possa ser discutida por si só, prefiro discutí-Ia na perspectiva da ciência cognitiva para ilustrar os interesses compartilhados acerca dos processos da mente. Enfim, a fonte e o alvo da CI tem sido a informação da e para a mente.

8 CIÊNCIA COGNITIVA

Também chamada "nova ciência da mente" (GARDNER, 1985), a ciência cognitiva situa-se entre os mais novos campos interdisciplinares e foi disseminada na última década, com grande sucesso, seduzindo a imaginação de muitos estudiosos nos mais diversos campos. A razão para isto é que ela aponta, de uma nova forma, questões sobre a mente que tem sido debatidas desde a antigüidade. "O objetivo da ciência cognitiva" segundo JOHNSON-LAIRD, (1988), um cientista líder na área, "é explicar como funciona a mente". A ciência cognitiva surgiu como um "amálgama da psicologia, filosofia, antropologia, neurofisiologia, ciência da computação e ling ística, organizado em torno do uso do computador como uma ferramenta para extrair os segredos do cérebro e da mente" (CASTI, 1989). Embora existam diversos enfoques de pesquisa, os campos que compõem a ciência cognitiva compartilham um interesse básico acerca da compreensão dos processos cognitivos, sua realização no cérebro, a estrutura da mente e várias manifestações da mente como inteligência. Na ciência cognitiva o computador desempenha um importante papel, tanto como ferramenta quanto como fonte de modelagem e teste.
Os livros de GARDNER, JOHNSON-LAIRD e CASTI apresentam um abrangente relato da interdisciplinaridade da ciência cognitiva, mostrando as correntes de pensamento e os campos que aí interagem. A importância determinante da ciência cognitiva reside na interação de enfoques extremamente diferenciados no tratamento de questões acerca do cérebro e da mente, das humanidades às ciências da vida, das ciências sociais às matemáticas, da lógica às engenharias. Embora todos esses tenham um interesse potencial para a CI, o mais próximo é constituído pelas questões levantadas e soluções tentadas na IA.
Assim como o artigo de BUSH tornou-se o clássico ponto inicial na evolução da CI, o artigo de Alan TURING (1950), ComputingMachinery endIntelligence, foi o detonador para a IA. Nas duas primeiras sentenças do artigo, TURING sintetizou o que se tornaria a agenda da IA: "proponhoque se considere a questão: podem as máquinaspensar? A resposta deve começar pela definição do significado dos termos máquina e pensar."
Uma definição popular de IA estabelece que "IA é a arte de se programarem computadores para fazer coisas inteligentes" (WALDROP, 1987). Mas WALDROP também destacou que existem muitas vertentes de atividades em IA, cada uma com agenda específica, estudando diferentes problemas:

"(IA pode ser definida): - como um ramo da engenharia de softwareIA é um conjunto de técnicas de programação que fazemo computador executar alguns truques... Certamente, algumas pessoas estão começando a ganhar rios de dinheiro com estes truques.. - como uma teoria da ciência da computação, ... IA é uma concepção do que seja programação... - como um ramo da filosofia, IA é um tipo de epistemologia experimental: o que é o conhecimento? como pode o conhecimento ser representado no computador - ou na mente? - como uma ciência da mente, IA incorpora uma idéia controversa e instigante: que a mente ... é basicamente um mecanismo processador deinformações ... Em seu nível mais profundo, IA liga-se a um dos grandes mistérios não resolvidos da ciência: como pode a mente surgir de uma não-mente? Como pode o cérebro, um objeto feito de matéria comum... dar nascimento a sentimento, objetivo, pensamento e consciência?"
Atualmente, a IA é classificada como IAfraca, concentrada nos dois primeiros pontos descritos por WALDROP, e IAforte, direcionada aos dois últimos. Não se pode negar que a IA forte, com suas teorias da inteligência, mente e pensamento conectadas com as máquinas, seja controversa, causando numerosos desafios, especialmente entre filósofos (por exemplo, DREYFUS, 1979; SEARLE, 1984; PENROSE, 1989; e outros). Por sua vez, as refutações foram rejeitadas, resultando em liberdade intelectual para todos. De toda forma, esses são alguns dos debates mais instigantes e significativos do século, reunindo pessoas de todas as áreas acadêmicas. Tais debates certamente terão conseq ências de longo alcance sobre as nossas formas de pensar o pensamento.
Tanto a IA fraca quanto a forte tem interesse direto para a CI. A IA fraca é fonte de muitas das inovações nos sistemas de informação, tais como sistemas inteligentes, hipertextos, bases de conhecimento, interfaces inteligentes e as questões sobre a interação homem-computador - todas elas de interesse para a CI e para as quais ela pode contribuir diretamente. A IA forte é a fonte do modelo teórico da cognição, no qual a informação, enquanto fenômeno, desempenha o mais importante papel. Portanto, esse modelo pode também contribuir para a pesquisa básica em CI.

9 COMUNICAÇÃO

Se existe alguma palavra que tenha mais conotações, maior uso em muitos e diferenciados contextos e maiores motivos para confusão do que informação, essa palavra é comunicação. Em primeiro lugar, existe confusão entre o processo de comunicação enquanto objeto de investigação e comunicação como nome do campo em que o processo é investigado, isto é, a comunicação (campo) estuda a comunicação (processo). Quase todo texto de comunicação principia com a descrição da miríade de usos do termo. O significado de comunicação, assim como o de informação é uma discussão disseminada por si mesma. Embora interessante, a argumentação não produziu nenhum resultado notável e, portanto, não vale a pena prosseguir. De qualquer forma, o debate e os estudos acadêmicos sobre as relações envolvidas entre informação como fenômeno e comunicação como processo, são importantes, pois cada conceito atua de forma complexa sobre o outro, formas ainda não completamente elaboradas, compreendidas ou mesmo investigadas (veja, por exemplo, RUBEN, no prelo). De forma fundamental, as relações entre o fenômeno e o processo - informação e comunicação - definem as relações entre CI e comunicação (campo).
Os estudos acadêmicos da comunicação são tão antigos quanto a filosofia. No estudo da retórica por Aristóteles e por outros filósofos, o interesse era o discurso público, não apenas como arte de persuasão, mas também como uma área de estudo voltada para a natureza da comunicação e os efeitos decorrentes.
A pesquisa em comunicação, englobando estudos empíricos, coleta de dados, teste de hipóteses e todos os outros ornamentos da ciência moderna, tiveram início nas primeiras décadas do século, como um suplemento à filosofia e como uma resposta a muitas das questões e problemas, bastante evidentes, relacionados com os vários aspectos da sociedade industrial, como urbanização, migração, emergência dos mass media, da propaganda na Primeira Guerra Mundial e coisas tais. (Para uma visão histórica da pesquisa e da ciência da comunicação, ver ROGERS, 1986 e DELlA,1987).
Os modernos estudos acad micos da comunicação evoluíram em um campo específico (mencionado, algumas vezes, como comunicação simplesmente e outras, como ciência da comunicação) com ênfase no estudo de problemas associados com a comunicação humana, definida como (RUBEN,1984):

"...o processo através do qual os indivduos em rela ão, grupos, organiza es e sociedades criam, transmitem e usam informação para organizar a informa ão com o ambiente e entre si."

Pesquisadores que trabalharam tanto em CI como em comunicação entendem que o foco unilateral em informação ou em comunicação, por si mesmo é muito estreito, enfraquecendo a pesquisa em ambos. Segundo eles, existem questões emergentes necessitando da atenção de ambas as disciplinas em um trabalho conjunto (por exemplo, PAISLEY, 1989). Como BORGMAN & SCHEMENT (1989) destacaram:

"Por algum tempo, pudemos observar os elos entre as duas disciplinas em diferentes níveis. Pesquisadores de ambos os campos estudaram tópicos semelhantes, como as lacunas do conhecimento, os colégios invisíveis, a difusão de inovações, a interação humana com as tecnologias da comunicação, o comportamento na busca de informações, a teoria da informação, a teoria de sistemase a sociedade da informação. "

Eles também notaram (juntamente com outros observadores) que esses tópicos aparecem nas revistas de ambos os campos e que alguns acadêmicos mudaram suas afiliações de escolas de comunicação para as de CI e vice-versa. Isto evidencia a confluência de pessoas e correntes de pesquisa em CI e comunicação, semelhante às confluências discutidas previamente entre CI, ciência da computação e ciência cognitiva.
Concluindo, o desenvolvimento da relação entre CI e comunicação apresenta várias dimensões: um interesse compartilhado na comunicação humana, juntamente com a crescente compreensão de que a informação como fenômeno e a comunicação como processo devem ser estudadas em conjunto; uma confluência de certas correntes de pesquisa; algumas permutas entre professores; e o potencial de cooperação na área da prática profissional e dos interesses comerciais/empíricos.

10 CONCLUSÃO

A CI parece estar atingindo um ponto crítico em sua evolução. Inúmeras são as pressões que impõem um reexame da sua problemática e das soluções encontradas de forma teórica, experimental ou prática. As mesmas pressões afetam muitos outros campos. Vamos considerar três classes gerais de pressões.
Em primeiro lugar, o imperativo tecnológico que vem apresentando ou mesmo forçando o desenvolvimento e aplicação de uma crescente gama de produtos e serviços de informação ou impelindo a refinamentos substantivos. Isso vem de dentro e de fora da CI, com crescente competição. Uma ampla variedade de redes de informação, algumas empurrando as fronteiras, outras em diferentes estágios de concretização, está prometendo mudar radicalmente a qualidade e a quantidade da comunicação e mesmo da informação comunicada.
Em seguida, e em sentido mais amplo, a evolução da sociedade da informação está em aceleração, sendo claramente visível na Europa, nos Estados Unidos e na orla do Pacífico. Os papéis econômico e social de toda e qualquer atividade de informação estão se tornando mais e mais pronunciados; sua importância estratégica ultrapassa o nível da cooperação regional e global, em direção ao desenvolvimento nacional e ao progresso social, bem como em direção aos avanços organizacionais e vantagens competitivas. Finalmente, as relações interdisciplinares estão mudando. Particularmente as relações com a ciência da computação e a inteligência artificial estão se tornando mais aparentes em aplicações, e com a ciência cognitiva, nos trabalhos teóricos e experimentais. Os princípios e técnicas da recuperação da informação estão sendo disseminados para aplicações fora da CI, como por exemplo, a reutilização de software.
Além disso, um crescente número de campos, não diretamente ligados à informação como objeto de estudo ou aplicação, está adentrando a arena da informação de forma séria, haja vista a emergência da informática médica nas escolas de medicina.
Em quaisquer dessas áreas, os problemas da informação não estão diminuindo, mas sendo transformados. Algumas apresentam maiores desafios e questões para a pesquisa, o desenvolvimento e a prática profissional da CI, como discutiremos a seguir.

10.1 O humano nas relações homem-tecnologia

Se existe um consenso de que as áreas citadas na seção acerca da definição de problemas sejam as que apresentam as questões principais e mais amplas sugeridas pela CI - e a revisão de literatura indica que esse consenso de fato existe -então, o próximo passo é, obviamente, refletir sobre a pergunta: a partir de qual enfoque, ou em que bases devem ser colocados os problemas: humana ou tecnológica? A tecnologia constitui, por si mesma, um problema ou uma solução? Ou ambos? A tecnologia é, sem dúvida, central em CI, mas é também fundamental, por exemplo, para a ciência da computação? Ou são os aspectos humanos (conhecimento, registros do conhecimento, comunicação, contextos individual, institucional e social, necessidade e uso da informação...) fundamentais como alicerces sobre os quais as soluções tecnológicas devem ser construídas?
A relação homem-tecnologia é o ponto fraco, a questão não resolvida filosófica, científica ou profissionalmente na CI, assim como também o é em outros campos fortemente envolvidos com a tecnologia. A CI tem oscilado entre dois extremos -humano e tecnológico - sem se definir claramente por qualquer deles ou estabelecer um equilíbrio confortável. Embora exista, ultimamente, uma clara oscilação do pêndulo em direção ao lado humano da equação, o extremo tecnológico continua sendo a amarra que dirige a inclinação do campo em sua totalidade e não apenas do campo -é visível que esta é a característica da sociedade da informação. De toda forma, muitas décadas de experiência com as mais diversas soluções tecnológicas para acessar e utilizar a informação (algumas mais sedutoras, elegantes ou convenientes) nos demonstram que ainda estamos engatinhando, com uma modesta compreensão do quão pouco conhecemos, em sentido formal, sobre os aspectos humanos (social, institucional, individual...) e comportamentais relacionados com o conhecimento e a informação. Sobretudo, nos demonstram que muitos dos conceitos acerca desses aspectos, humanos e comportamentais, que constituem a base sobre a qual são planejadas as aplicações tecnológicas, não funcionam mais. Então, a síntese final indica, não um conflito, mas uma necessidade de equilíbrio.
Parece que a pesquisa em CI atingiu um patamar. Podem as aplicações tecnológicas sem clareza ou ajustes acerca dos aspectos humanos e comportamentais, atingir seu ponto alto? Parece que sim. Mas, podem os direcionamentos dados agora, com as novas perspectivas cognitivas ou com a ênfase na inteligência ou na IA, prover o impulso para se buscar novo patamar? para atingir o equilíbrio entre os aspectos humanos e tecnológicos? Essas proposições são mais específicas que aquelas genéricas sobre a relação homem-tecnologia.
Essas questões estão adquirindo maior visibilidade e maior urgência pela rápida mudança da própria tecnologia da informação e pela significativa extensão da capacidade técnica disponibilizada pelos avanços na computação, armazenagem, exposição, comunicação, interligação em redes, etc. Um levantamento de tais capacidades é em si mesmo, uma tarefa complexa. Em outras palavras, o lado tecnológico da equação homem-tecnologia está em contínua expansão. Esse fato torna o equilíbrio da relação muito mais difícil, a ponto de prevalecer uma concepção que acredita ser mais fácil ensinar e ajustar os humanos, isto é, moldar o humano ao sistema, do que vice-versa.
A importância crítica de se buscar o equilíbrio da relação homem-tecnologia na problemática estudada pela CI reside no simples e incontroverso tru smo de que, toda e qualquer aplicação da tecnologia e das técnicas, sem objetivos claros, com conceitos indefinidos ou uma filosofia nebulosa, introduzirão a barbárie. Gostaria de sugerir que os objetivos, a filosofia e os conceitos determinantes para o equilíbrio homem-tecnologia precisam originar-se do seu lado humano. O testemunho de que isso não está acontecendo vem das inúmeras associações e comitês em muitos países, todos enfocando a necessidade de orientação aos usuários no fornecimento de informação ou aplicações da tecnologia de informação. Subjacente à variedade de recomendações desses grupos, existe uma certa "revolta do usuário", uma avaliação consciente ou uma compreensão subconsciente de que em lugar da adaptação da tecnologia ao entendimento racional do comportamento humano frente à informação e ao ambiente informacional amplo, a situação foi revertida, criando mais o exacerbamento do que a solução para os problemas da explosão informacional.

10.2 Mudando os critérios de eficácia

O segundo ponto a ser considerado aqui diz respeito à eficácia que resulta proximamente, ou mesmo diretamente, da questão da tecnologia. Desde os primórdios da CI, a noção de eficácia (por exemplo, a comunicação eficaz do conhecimento, o acesso eficiente aos recursos informacionais, a relevância e utilidade da informação, a qualidade da informação...) tem sido uma preocupação central. Os critérios de eficácia foram e continuam, claramente, sendo derivados da perspectiva humana, ou de considerações do comportamento informativo, mais do que de perspectivas ou critérios tecnológicos. Em outras palavras, enquanto a tecnologia é usada abundantemente, a eficácia de seu uso é colocada estritamente em termos humanos.
Neste sentido, a relação eficácia-tecnologia torna-se um acontecimento acima e além da própria tecnologia. A pergunta: "até que ponto as aplicações tecnológicas permitem, realmente, o eficiente acesso à informação e à comunicação dos amplos estoques disponíveis de conhecimento?" transforma-se em questão fundamental. Geralmente, esses pontos ficam perdidos em meio à sedução das aplicações tecnológicas. Em muitas situações de pesquisa e desenvolvimento elas sequer são colocadas, como por exemplo, em muitas das pesquisas sobre sistemas inteligentes.
O ponto destacado é: "pode a noção de eficácia ser recuperada ou novamente redefinida como um aspecto crítico central da CI, um parâmetro para se avaliarem osavanços na pesquisa e na prática profissional? Em caso afirmativo, sob quais critérios?
Por muito tempo, o principal critério para se enfocar a eficácia foi a relevância e/ ou utilidade da informação. Mas, mais recentemente, tem-se escutado apelos por outros critérios - como qualidade, seletividade, veracidade, síntese, e/ou impacto da informação. O fato estatístico chave da explosão informacional está bem estabelecido - por exemplo, em ciência e tecnologia, o número de publicações dobra aproximadamente a cada catorze anos. A qualidade destas publicações varia amplamente. Algumas investigações estabeleceram leis empíricas, demonstrando que apenas uma pequena parte é altamente utilizada, considerada de alta qualidade, ou citada, e o uso, qualidade e citação das restantes declinam rapidamente. Parece que um processo natural, darwiniano, de seleção está em curso. Foram estabelecidos muitos sistemas de informação abrangentes, justificadamente, para controlar a explosão informacional em muitos campos. De toda forma, devido à natureza dessa explosão, os grandes sistemas de informação, inclusive as bibliotecas, arriscam-se (parafraseando Goethe), a serem transformadas de uma casa do tesouro em armazém e deste, em depósito de sucata.
Afinal, essa é uma percepção crescente por parte de muitos usuários frustrados. A orientação para o desenvolvimento de bases de conhecimento (sintetizadas, avaliadas, continuamente atualizadas e ligadas de forma variada, a acervos de conhecimento ou manuais eletr nicos) está baseada de forma inequívoca nessa percepção e assertiva. Do mesmo modo o são as idéias de sistemas seletivos de informação (concentrados apenas nas melhoresrevistas ou fontes de um determinado campo ou área) ou sistemas fornecedores de informa esde qualidade ou informações de valor para o processo decisório de altos escalões gerenciais. A mudança das demandas e dos critérios de eficácia estão dando ímpeto ao desenvolvimento de novos produtos em sistemas de informação.
As questões que devem ser propostas, então, são: até que ponto estão claros estes novos critérios de qualidade? São compreensíveis? Como são os novos critérios de qualidade face aos antigos de relevância ou utilidade? Que relações podem ou devem ser mantidas entre os critérios novose os antigos? A configuração futura dos serviços e sistemas de informação será determinada pelas respostas a essas questões.

10.3 Isolamento na ecologia informacional

Tendo principiado com a Renascença e a invenção da imprensa, seguida pela emergência da ciência moderna, a comunicação do conhecimento evoluiu em um sistema sócio-ecológico, tão complexo e interrelacionado como qualquer ecologia biológica. Grosso modo, essa ecologia informacional envolve: os produtores de conhecimento (autores, inventores, pesquisadores, coletores...) e as instituições onde trabalham ou residem; os financiadores dessas instituições e trabalhos; os editores (em qualquer media), incluindo seus próprios mecanismos de seleção, editoração, julgamento, avaliação, publicação...; os canais de divulgação; os reelaboradores (por exemplo, produtores de bases de dados, em qualquer mediatambém) incluindo seus mecanismos próprios de seleção, tratamento, disseminação...; as bibliotecas e serviços de informação, também com seus mecanismos; os usuários e suas instituições fechando a cadeia ecológica.Existem muitas elaborações específicas, cada qual com seus jogadores, depositários e mecanismos que, eventualmente, afetam o conjunto da ecologia informacional. As perturbações em qualquer dos elementos principais da ecologia afetam o todo.
Obviamente, a tecnologia sempre desempenhou papel importante na ecologia informacional (o chamado efeito de Gutemberg); presentemente, tem um papel crítico tanto na sua evolução, assim como na evolução da sociedade contemporânea. De todo modo, não se pode exagerar o fato de que a ecologia informacional é fundamentalmente social em sua natureza. Ela é uma ecologia social, onde o social, incluindo os fatores econômicos, políticos, culturais e educacionais, desempenha papel predominante.
Os vários elementos ou atores na ecologia informacional, embora claramente interrelacionados, funcionam, na prática, em relativo isolamento uns dos outros. Além disto, as tensões naturais entre os vários atores estão evoluindo para conflitos abertos, tais como entre editores X reelaboradores; editores e reelaboradores X bibliotecários; setores privados X públicos; autores X editores; usuários X todos; e assim sucessivamente. Vários desses atores estão em conflito quanto às suas funções, cada um deles enxergando a ecologia informacional segundo um ponto de vista singular e aguardando desdobramentos diferentes. Tais isolamentos e conflitos não permitem um cenário adequado para a ecologia como um todo.
No nível mais específico, os vários mecanismos e padrões para tratamento da informação pelos muitos atores da cadeia ecológica não são compatíveis; por exemplo, os editores tratam os textos de forma totalmente diferenciada daquela usada pelosreelaboradores que trabalham com as representações desses textos, ou ainda da forma utilizada pelos bibliotecários em sua catalogação. Até que a tecnologia tenha capacidade para permitir a interação direta entre os vários manipuladores da informação, tal incompatibilidade não constitui problema sério. Mas, com o aumento das novas capacidades tecnológicas e do número de novos atores no processo, além das crescentes demandas de informação orientada para o usuário, o alto grau de incompatibilidade torna-se crítico, um empecilho à evolução contínua da ecologia, possivelmente, até mesmo uma ameaça ao seu desempenho e funcionamento globais.
Dois pontos devem ser considerados aqui. Primeiro, buscar soluções emecanismos que diminuam o isolamento e os conflitos entre os vários elementos da cadeia. Segundo, propiciar maior grau de compatibilidade, para que os vários atores possam interagir com toda a potencialidade permitida pela moderna tecnologia e demandada pelas necessidades contemporâneas e futuras de informação.
Certamente, existem muitas questões técnicas complexas envolvidas que requerem grande esforço de trabalho e atenção, como a criação e implementação de padrões técnicos. Ainda assim, as questões não são primeiramente técnicas, mas sociais, isto é, econômicas, políticas e culturais. Desafortunadamente, os problemas e relações em ecologia informacional, da forma como evoluíram nas duas últimas décadas, ainda não estão bem estabelecidos ou claramente entendidos. Essas relações e problemas constituem uma área importante para estudo.
A noção de ecologia informacional aponta para uma questão adicional mais ampla. Qualquer estudo sobre problemas específicos da informação e as tentativas de solução, para serem significativos e bem sucedidos, não podem ser desenvolvidos isoladamente dos demais atores e mecanismos da cadeia ecológica. Os princípios ecológicos devem ser invocados. Por exemplo, a otimização de um elemento ecológico não significa, necessariamente, um melhor funcionamento total da ecologia; ao contrário, algumas vezes pode representar o declínio do seu equilíbrio. Em outras palavras, o estudo e a solução de qualquer problema específico da informação exige, como regra, a consideração dos vários outros atores e mecanismos no conjunto maior da ecologia informacional. Os problemas tratados pela CI, ou por algum outro camporelacionado com qualquer aspecto da ecologia informacional, devem ser enfocados como complexos problemas ecológicos.

10.4 A necessidade da ciência da informação

O problema proposto pela CI "a tarefa massiva de tornar mais acessível um acervo crescente de conhecimento", assim como todos os problemas mais específicos que se seguiram, estão ainda à nossa volta e estarão aí com ou sem a CI. A questão de se aplicar a tecnologia da informação na solução dos problemas informacionais continua e continuará com ou sem a CI. A evolução da ecologia informacional pode se processar com ou sem a CI. Existindo ou não um campo organizado chamado CI, os problemas não terminarão. Os problemas estão aí, independentemente de sua rotulação. As razões sociais para sua colocação são evidentes e urgentes. A questão é, então, quem vai direcioná-Ios, como e onde.
Nas últimas quatro décadas a CI apresentou contribuições que influenciaram o modo como a informação é manipulada na sociedade e pela tecnologia e também permitiu melhor compreensão para um rol de problemas, processos e estruturas associados ao conhecimento, à informação e ao comportamento humano frente à informação. A CI desenvolveu um corpo organizado de conhecimentos e competências profissionais ligados às questões informacionais. Os fatos demonstram a veracidade dessas conclusões.
Certamente, a CI não é o único campo que se ocupa com estas questões. Ela não detém o seu monopólio, como também não o faz nenhum outro campo. Entretanto, mudanças significativas estão ocorrendo em muitos campos pelo surgimento de problemas informacionais semelhantes, embora algumas vezes, de forma bastante diferente. Eventualmente, a questão é: que formas parecem ser mais promissoras no desvendamento do rol de questões informacionais? Como poderemos atingir maior aprofundamento no trato dessas questões? Essas são situações legítimas para o debate intelectual e profissional.
Finalmente, não importa se a atividade que trata dessas questões seja chamada de CI, informática, ciências da informação, estudos de informação, ciências da computação e da informação, inteligência artificial, ciência da informação e engenharia, biblioteconomia e ciência da informação, ou qualquer outra forma, desde que os problemas sejam enfocados em termos humanos e não tecnológicos. Mas, a CI sob qualquer nome, significando um corpo organizado de conhecimentos ecompetências, teve e pode continuar tendo grande contribuição nesses estudos. Tem um registro comprovado de interdisciplinaridade. Sob qualquer nome ou patrocínio, as atividades profissionais e científicas desempenhadas pela CI são necessárias.
Sobretudo, a necessidade dessa atividade organizada é crítica para a sociedade moderna. Preenchendo tal necessidade, a CI poderá ser melhor definida e reestruturada, como a sociedade requer.

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