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“Ciências Exatas Contemporâneas”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
INTRODUÇÃO
Meninos
ganham jogos de montar, carrinhos e brinquedos que os levem a imaginar como
explorar e moldar o mundo. Meninas ganham bonecas, panelinhas e brinquedos que
as levem a fingir cuidar da casa. Essas foram as regras discriminatórias para
presentear crianças, durante muito tempo. A mudança vem aos poucos. Em 2012,
pela primeira vez em 50 anos de existência da Barbie, sua fabricante, Mattel,
lançou nos Estados Unidos um estojo que une a boneca e blocos de montar, para
que as meninas construam e redecorem como quiserem uma mansão de brinquedo. O
lançamento reflete uma novidade mais abrangente. Conforme gerações de meninas
criadas de forma mais igualitária tornam-se maioria nas escolas e chegam ao
mercado de trabalho, cresce a participação das mulheres em profissões das áreas
de ciências exatas, principalmente nas engenharias. O impacto é sentido na
sociedade inteira. Contudo, no último vestibular da USP, um terço dos candidatos era de mulheres.
Elas nunca foram tantas.
Mesmo
com a progressiva emancipação feminina, a transformação nada tem de óbvia. O
avanço das mulheres nessas profissões tem sido muito mais lento e incerto que a
conquista da igualdade de direitos entre os sexos. Trata-se de uma questão
instigante para sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento, como o Brasil.
As mulheres estão a caminho de se tornar a maioria entre os estudantes. Seria
normal que se sentissem atraídas e bem-vindas para atuar em áreas-chave para a
riqueza material de uma sociedade, aquelas que contribuem com grande parte da
produção econômica, contam com menos profissionais do que necessitam e, como
resultado, oferecem salários médios mais altos (leia o quadro ao lado).
No
Brasil, vários indicadores mostram que a participação feminina nessas
profissões está crescendo com força. Em 2012, pela primeira vez, a Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) avaliou, num relatório
periódico sobre educação, quais eram as carreiras preferidas por meninas e
meninos de 15 anos de idade. No Brasil, 4,2% das meninas e 16,2% dos meninos
imaginam-se trabalhando com exatas quando tiverem 30 anos. Segundo o relatório,
a manifestação de vontade das adolescentes brasileiras de entrar nessas áreas
supera a registrada em vários países mais ricos, como Alemanha, Estados Unidos
e Japão. Os países em que essa manifestação das meninas é mais forte são
Indonésia e Israel.
O
interesse crescente das adolescentes brasileiras pelas exatas passou a se
manifestar nos números do vestibular. Em 2012, a parcela de candidatos do sexo
feminino às carreiras de exatas na Universidade de São Paulo (USP) subiu para
um terço. Em 2005, esse número era de um quarto. Superada a barreira de acesso,
30% dos alunos da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) são mulheres, parcela muito superior à média na Europa, de 20%, e nos
Estados Unidos, de 8%. Finalmente, as estatísticas de profissionais formadas
confirmam a tendência de avanço feminino nesse território antes
majoritariamente masculino. Entre 2000 e 2010, a parcela de mulheres entre os
formandos cresceu 53% em engenharia eletrônica, 49% em ciências atuariais e 41%
em engenharia de produção, diz Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de
Políticas Públicas da escola de negócios INSPER.
O
crescimento é relevante. Torna-se importante entender como vêm caindo as
barreiras. Evoca-se frequentemente uma diferença biológica de aptidões. Isso
não basta, porém, para explicar a dominação esmagadora de um dos sexos sobre o
outro, em nenhuma carreira. No caso das ciências exatas, a baixa presença
feminina, historicamente, não se devia à rejeição das mulheres a essas
carreiras, mas sim ao fato de que elas não podiam ingressar nelas ou não as
percebiam como uma possibilidade, por causa da falta de modelos, diz a
pesquisadora Natalia Fontoura, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
O
cenário começou a mudar por causa da educação recebida pelas meninas em casa.
Hoje, os pais querem que elas se sintam satisfeitas e tenham prestígio
profissional, seja em que área for, e tratam filhos de ambos os sexos de forma
mais parecida. A profissional de estatística Cris Crisci, diretora da Lopes
Inteligência de Mercado, diz que esse ambiente familiar foi decisivo para sua
formação. “Tenho um irmão e uma irmã. Meus pais não diferenciavam brinquedos de
menina e de menino. Brincávamos juntos com jogos de montar”, afirma Cris. Na
escola, ela passou a gostar de matemática. “Tive uma professora muito boa no
ensino fundamental, chamada Eunice.” A escolha da carreira foi uma consequência
natural.
Um
segundo fator que abriu as opções para as meninas foi a mudança no ambiente
escolar. Aos poucos, as escolas passaram a mostrar mais claramente aos alunos
as possibilidades profissionais a sua disposição. A engenheira mecânica
Daniella Reis, executiva na Promon Engenharia, beneficiou-se dessa mudança. “No
segundo grau (ensino médio), meu colégio já separava os alunos entre
exatas, humanas e biológicas. Logo percebi qual era minha aptidão”, diz. De
acordo com o estudo da OCDE, um sistema de educação precisa oferecer às alunas
maneiras variadas e flexíveis de se empolgar com matemática e ciências.
Quando
estão no ensino superior, as mulheres se adaptam rapidamente à dureza dos
cursos de exatas. A engenheira de materiais Nívea Boechat, formada pela UFRJ e
hoje trabalhando na Shell Brasil, lembra com orgulho de como enfrentou o início
do curso. “No segundo grau, só tirava 9 ou 10. Por isso me assustei nos primeiros
anos de engenharia, quando minhas notas caíram.” Persistência e organização
foram fundamentais para passar por essa fase. “Acho que as meninas chegam mais
maduras à universidade. Elas lidam melhor com frustração e reprovações e, em
média, vêm alcançando notas melhores”, diz Ericksson Almendra, diretor da
Escola Politécnica da UFRJ.
As
mudanças no processo de formação foram acompanhadas por uma transformação no
mercado de trabalho. Algumas carreiras antes masculinizadas passaram, nos
últimos anos, a demandar muito mais profissionais. É o caso da engenharia
civil. Por isso, diminuiu o sexismo nas avaliações, contratações e definição de
salários. “O profissional formado nessas áreas é muito valorizado. A carência
de pessoal é tão forte que as empresas não têm como segregar mulheres”, diz
Fernanda Campos, diretora executiva da Mariaca Gestão de Capital Humano.
Chegar
a esse mundo de possibilidades abertas demorou. O ensino formal de engenharia
para homens no país começou em 1810, com a criação da Academia Real Militar
pelo então príncipe regente, o futuro rei Dom João VI. Só em 1835 foi aberta a
primeira escola para mulheres no Brasil, em Niterói, e apenas em 1919 – quase
um século depois dos homens – formou-se a primeira mulher engenheira, Edwiges
Maria Becker, pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
O
fato de as mulheres se sentirem livres e estimuladas a seguir carreiras em
áreas de exatas acarreta benefícios econômicos de longo prazo para elas mesmas,
para sua família e para a sociedade. Os países em que as mulheres não podem ou
não querem assumir essas funções contam com apenas a metade da reserva de
inteligência de que a sociedade dispõe. O prejuízo ou o lucro recaem sobre toda
a população. “Capacitar as mulheres traz ganhos maiores para todos os
cidadãos”, afirma Ivan de Souza, da consultoria Booz. A empresa calculou em
2012 a importância do acesso feminino a todas as carreiras. Segundo a
consultoria, se 100% das mulheres entrassem no mercado de trabalho, o PIB do
Brasil poderia crescer 9%.
A
Booz trata esse conceito sob o lema “Terceiro Bilhão”, em referência aos três
grandes contingentes humanos que ganham poder econômico – os chineses, os
indianos e as mulheres. A lógica é demográfica. Conforme um país se desenvolve,
como o Brasil, sua população cresce mais vagarosamente. Nessa situação,
torna-se mais importante aproveitar todos os recursos humanos existentes da
maneira mais eficiente possível e derrubar quaisquer barreiras entre o gênero
do cidadão e o trabalho que ele gostaria de fazer (o mesmo vale para os
homens).