domingo, 14 de abril de 2013

O TEOREMA FUNDAMENTAL DO CÁLCULO E A SUA ABORDAGEM EM LIVROS DIDÁTICOS À LUZ DA TEORIA DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA DE RAYMOND DUVAL



Blog “Ciências Exatas Contemporâneas”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://www.cienciasexatascontemporaneas.blogspot.com.br/


Autoria:
Ronaldo Pereira Campos. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –  PUC-SP.
 
INTRODUÇÃO
               
Ao ingressar no ensino superior, os estudantes da área ciências exatas se deparam com a disciplina de Cálculo Diferencial e Integral (CDI) como curso básico para vários outros. De acordo com Candido, Monteiro e Barufi (2004), espera-se que essa disciplina, por meio de vários tipos de problemas, propicie aos alunos uma visão mais ampla de como o conhecimento matemático pode ser articulado. No entanto, o processo de ensino e aprendizagem CDI é desenvolvido na maioria das vezes sob a forma de: definições, teoremas, propriedades, exemplos e exercícios (Melo 2002), em que o aluno é levado ao fracasso e ao abandono desta importante disciplina, fundamental nos primeiros anos dos cursos de ciências exatas. A forma como o professor aborda esse tema pode desmotivar o aluno, dada à importância ao uso das técnicas e reprodução de situações do tipo “calcule”, “determine” sem dar um significado ao porquê das construções, algoritmizando demasiadamente o assunto como um todo.
Segundo Baldino (1995), as disciplinas de Cálculo: “São as disciplinas internacionalmente reconhecidas como as de maior dificuldade para os alunos, onde os índices de reprovação são os mais altos”. O autor ainda escreve que existe uma preocupação crescente por parte de educadores em Educação Matemática voltados aos cursos de Cálculo.
Nos últimos anos, foram feitas pesquisas visando diagnosticar causas das dificuldades apresentadas no processo de ensino e aprendizagem do CDI, bem como tentando buscar soluções lançando mão de tecnologias facilitadoras de aprendizagem dos conceitos tratados nessa disciplina. Vários softwares e seqüências de ensino têm sido criados e usados na Educação Matemática, porém o livro didático ainda continua sendo amplamente utilizado como referencial para professores (Silva 2004).
Um dos temas centrais do CDI, e foco dessa pesquisa – o Teorema Fundamental do Cálculo (TFC) – estabelece a importante conexão entre Derivada e Integral (Lima 2002), conceitos ensinados geralmente de forma independente. O primeiro, ligado ao problema de se determinar a reta tangente a uma curva em um ponto, enquanto o segundo, ligado ao problema para se encontrar a área de uma figura plana. Apenas aparentemente, entre os dois problemas parece não existir relação.
Neste trabalho, enfocamos o Teorema Fundamental do Cálculo (TFC) como objetivo da pesquisa, e para isso, analisamos como 4 livros didáticos tratam esse importante teorema do Cálculo. Para isso, verificamos quais as diferenças fundamentais são evidenciadas no enfoque dado pelos diferentes autores, e, além disso, com base nos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval, tentamos identificar os tratamentos e conversões dos registros presentes nos textos desses livros, por constituírem um instrumento sempre presente no trabalho do professor na sala de aula.
Para buscar respostas, tanto para a escolha quanto para a organização da análise dos livros, utilizamos alguns princípios inspirados e adaptados do livro “Análise de Conteúdo” de Bardin (2003), que sugere esta organização por meio de três etapas: a pré-análise; a exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

REFERENCIAL TEÓRICO

Para orientar a nossa análise, baseamo-nos na Teoria dos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval. Segundo o autor, sua teoria é utilizada na aquisição de conhecimentos matemáticos.
A comunicação em matemática se estabelece toda por meio de representações. De acordo com Damm (2002), os objetos a serem estudados são conceitos, propriedades, estruturas, relações que podem expressar diferentes situações, portanto, para seu ensino precisamos levar em consideração as diferentes formas de representação de um mesmo objeto matemático. Para estudar a aquisição de conhecimentos matemáticos, é preciso então recorrer à noção de representação. Como a matemática trabalha com objetos abstratos, e estes não são diretamente acessíveis à percepção, necessita-se para a sua apreensão o uso de uma representação.
Segundo Damm (2002), Duval estabelece três aproximações da noção de representação:

·      As representações mentais que têm a função de objetivação e o método para seu estudo é o da conversão;
·      As representações computacionais que são internas e não conscientes do sujeito. Estas privilegiam o tratamento, traduzindo informações externas a um sistema, sob uma forma que seja possível recuperá-las e combiná-las no interior do sistema;
·      As representações semióticas que são externas e conscientes do sujeito. São relativas aos signos, linguagem natural, língua formal, escrita algébrica, gráficos cartesianos, figuras, de um objeto matemático.

As representações semióticas realizam, de maneira indissociável, uma função de objetivação e uma função de tratamento, além da função de comunicação. Essas representações semióticas têm dois aspectos: a sua forma (o representante) e o seu conteúdo (o representado).
Apesar de as representações semióticas estabelecerem a comunicação em matemática, elas são necessárias também para as atividades cognitivas do pensamento, ou seja, sem as representações semióticas não é possível efetuar certas funções cognitivas essenciais do pensamento humano. Essas atividades cognitivas, requeridas pela matemática, devem ser procuradas, segundo Duval (2003), nas duas características seguintes:

1) A importância das representações semióticas – Essa importância se deve a duas razões fundamentais: primeiro – as possibilidades de tratamento matemático dependem do sistema de representação utilizado. Por exemplo, fazer a translação de uma parábola no sistema de eixos cartesianos ortogonais é uma forma de tratamento gráfico. Segundo – os objetos matemáticos não são diretamente perceptíveis ou observáveis. O acesso a esses objetos está ligado à utilização de um sistema de representação.

2) A grande variedade de representações semióticas utilizadas em matemática – São sistemas de numeração, figuras, escritas algébricas e formais, representações gráficas e a língua natural.

De acordo com Damm (2002 p. 144), Duval enfatiza três atividades cognitivas fundamentais ligadas à apreensão ou produção de uma representação, ou seja, para que um sistema semiótico possa ser um registro de representação é necessário: a formação de um a representação identificável, o tratamento e a conversão.

·      A formação de uma representação identificável – Esta pode ser estabelecida através de um enunciado compreensível em uma determinada língua natural, através do desenho de uma figura geométrica, através da escrita de uma fórmula, de um gráfico, etc. A formação de uma representação identificável depende de regras que garantam o reconhecimento das representações e a possibilidade de sua utilização para tratamento. Essas regras já estão estabelecidas na sociedade, cabendo ao sujeito usá-las para reconhecer tais representações.

·      O tratamento de uma representação é a transformação dessa representação no próprio registro onde foi tomada, ou seja, é uma transformação interna a um registro. Por exemplo: a translação é um tipo de transformação interna ao registro gráfico; o cálculo algébrico; a reconfiguração é um tratamento para as figuras, etc. Existem regras de tratamentos próprias a cada registro, e elas variam de um registro a outro. Os tratamentos são ligados a forma (o representante) e não ao conteúdo do objeto matemático.

·      A conversão de uma representação é a transformação desta em uma representação em outro registro, conservando os mesmos objetos denotados. Por exemplo: passar da língua natural à escrita algébrica, ou então, passar do registro de representação tabela ao registro de representação gráfico, etc. Lembrando que registros diferentes possuem formas de tratamento diferentes.

Salientamos que a conversão intervém para escolher o registro no qual os tratamentos a serem efetuados são mais “econômicos, mais potentes” (Ibid., p. 16), ou para obter um segundo registro que serve de base aos tratamentos que se efetuam em um outro registro, sendo assim, um complementaria o outro. O autor ainda escreve que a conversão não tem nenhum papel intrínseco nos processos matemáticos de justificação ou prova, porque eles se fazem com base em tratamentos efetuados em um determinado registro discursivo (figura 1). Do ponto de vista cognitivo é a conversão que aparece como atividade de transformação fundamental, que segundo Duval “é aquela que conduz aos mecanismos subjacentes à compreensão” (Ibid., p. 16).
O problema no ensino de matemática se estabelece justamente porque só se levam em consideração as atividades cognitivas de formação de representação e os tratamentos necessários em cada registro. Porém, o que garante a apreensão do objeto matemático não é a determinação de representações ou as várias representações possíveis de um mesmo objeto, mas sim a coordenação entre estes vários registros de representação. Devemos não confundir o tratamento com a conversão.
O objeto matemático não pode ser identificado com o conteúdo de sua representação. A compreensão em matemática requer a coordenação dos registros, ela está ligada ao fato de dispor de ao menos dois registros de representação diferentes. Essa é a única possibilidade de que se dispõe para não confundir o conteúdo de uma representação com o objeto representado. O autor conclui que para analisar as dificuldades em matemática, é preciso estudar prioritariamente a conversão das representações e não os tratamentos, pois a capacidade de converter implica a coordenação de registros.
Pode-se notar na obra de pesquisadores a importância dada pelos mesmos à análise de texto. Escrevem que os livros didáticos exercem influência no processo de ensino e aprendizagem, e sendo assim, poderiam (ou não) favorecer uma visão mais articulada da matemática, mostrando a dinâmica de sua estrutura e a história dos seus sujeitos e objetos, e que o modo de organização e a qualidade de conteúdos tratados poderiam facilitar o trabalho pedagógico. A base do conhecimento do leitor é muito importante, porém a estrutura do texto pode facilitar ou dificultar sua compreensão, no que concerne ao êxito da leitura.
Entendemos que o livro didático em geral é fundamental para muitos professores. De acordo com Barufi (1999), a escolha do livro pelo professor pode direcionar de alguma forma, a maneira como o aluno irá aprender uma determinada noção. Compreendemos que aquisição de conhecimento por parte do aluno, através do seu livro, pode ser mais bem articulada se os registros de representação forem utilizados adequadamente. Por isso, para nortear o trabalho, utilizamo-nos dos Registros de Representação Semiótica de Duval, que trata de aspectos cognitivos relacionados com a aquisição desses conhecimentos matemáticos.
Devido à relevância do tema, ao crescente número de trabalhos de pesquisa em análise de textos e com base em Duval, levantamos uma questão: Como o TFC é tratado em livros didáticos? Tentaremos analisar essa questão respondendo: Que diferenças fundamentais são evidenciadas no enfoque dado por diferentes autores? A coordenação dos registros de representação é explorada pelos autores na apresentação do TFC?

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para tentar responder às questões levantadas anteriormente, analisamos  como quatro livros didáticos tratam o Teorema Fundamental do Cálculo – a saber:

·      Curso de Análise – Volume 1, de Elon Lages Lima
·      Um curso de Cálculo – Volume 1, de Hamilton Luiz Guidorizzi
·      Cálculo – Volume 1, de James Stewart
·      Cálculo: um curso universitário – Volume 1, de Edwin. E. Moise

Para a organização da escolha e da análise das quatro obras referidas acima, utilizamos alguns princípios inspirados e adaptados do livro “Análise de Conteúdo” de Bardin (2003). Essa organização é sugerida cronologicamente por meio de três etapas que seguem: a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

·      A PRÉ-ANÁLISE: é a fase de organização propriamente dita. Tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as idéias iniciais. Segundo a autora, “trata-se de estabelecer um programa que, podendo ser flexível/ [...], deve, no entanto, ser preciso” (Bardin 2003, p. 95). A pré-análise consiste de três fases: a escolha dos livros didáticos; a formulação de hipóteses (neste trabalho não temos a intenção de seguir uma hipótese); e a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final.

·      A EXPLORAÇÃO DO MATERIAL: A autora escreve que se as operações da pré-análise foram adequadamente concluídas, a fase de análise propriamente dita “não é mais do que a administração sistemática das decisões tomadas” (Ibid., p. 101). No caso da nossa pesquisa, após leitura minuciosa, fizemos a transcrição de partes representativas dos capítulos que tratam do Teorema Fundamental do Cálculo e noções ligadas a ele, como definições, outros teoremas, exemplos e comentários para a efetivação da análise através dos indicadores.

·      TRATAMENTO DOS RESULTADOS OBTIDOS E INTERPRETAÇÃO: nessa etapa os resultados “brutos” devem ser tratados de maneira a serem significativos e válidos por meio de operações estatísticas simples que permitem estabelecer quadros de resultados, padrões e modelos, os quais condensam e colocam em destaque as informações da análise.

Para a análise propriamente dita destes livros, no que diz respeito ao TFC, utilizamos critérios (indicadores) que revelam o tipo de abordagem do tema na tentativa de evidenciar as diferenças fundamentais nos enfoques dados pelos autores, e, critérios (indicadores) através dos registros de representação para verificar se os autores exploram a coordenação dos mesmos.
Inicialmente valemo-nos desses critérios (indicadores) na tentativa de analisar a primeira questão – Que diferenças fundamentais são evidenciadas no enfoque dado por diferentes autores? – a fim de verificar como o TFC é apresentado no que diz respeito:

1)        à contextualização;
2)        se partem de casos particulares aos casos gerais ou vice-versa;
3)        a condições de existência;
4)        à questão da continuidade e integrabilidade;
5)        à referência da inter-relação da derivada e integral;
6)        à demonstração;
7)        às aplicações: práticas e/ou intrínsecas à matemática
8)        aos exemplos e exercícios

Em seguida, na tentativa de analisar a segunda questão, utilizamos critérios (indicadores) através dos registros de representação semiótica, para verificar se os autores, nos livros, propiciam a coordenação entre os registros:

A)      simbólico (correspondendo ao numérico e ao algébrico);
B)       figural (correspondendo ao gráfico e ao geométrico);
C)       língua natural; e
D)      tabela.

Em cada registro considerado, buscamos descrever os tratamentos envolvidos.
A ênfase dessa análise foi dada à apresentação do TFC, procurando investigar como o assunto é introduzido, como os exemplos são tratados e quais as características das listas de exercícios.

DESENVOLVIMENTO

Nesta parte, apresentamos um resumo da análise (ainda superficial) dos livros escolhidos, além das comparações entre eles. Esta análise se dará em duas partes: a primeira tratando dos aspectos relacionados aos critérios (indicadores) que revelam o tipo de abordagem do tema estabelecidos na apresentação do TFC: 1) contextualização; 2) se partem dos casos particulares aos gerais ou vice-versa; 3) condições de existência; 4) a questão da continuidade e integrabilidade; 5) referência sobre a derivada e a sua inter relação com a integral; 6) demonstração do teorema; 7) aplicações: práticas e/ou intrínsecas à matemática; 8) finalidade dos exemplos e exercícios. A segunda parte abordará a coordenação entre os registros de representação: A) simbólico (correspondendo ao numérico e ao algébrico); B) figural (correspondendo ao gráfico e ao geométrico); C) em língua natural e D) tabela, já apresentados na Fundamentação Teórica.

            Primeira parte – critérios que revelam o tipo de abordagem do tema

Lima: Existe uma contextualização dentro da própria matemática. O autor parte de casos mais gerais para os casos mais particulares (quase não os menciona). No texto, não faz comentário ou referência explícita sobre a conexão entre Derivada e Integral. A demonstração do TFC faz referência explícita à partição do intervalo e à utilização do Teorema do Valor Médio. Quanto às aplicações, são todas intrínsecas à própria matemática. Os exemplos não privilegiam técnicas, mas sim esclarecimentos sobre o tema. Os exercícios privilegiam demonstrações, sendo que nenhum privilegia a técnica de integração.

Guidorizzi: O autor parte dos casos mais gerais para os casos mais particulares, buscando condições de existência para que o teorema possa ser utilizado. O autor parte das funções integráveis para depois particularizar o TFC para as funções contínuas. Não faz referência à inter-relação Derivada-Integral. Os exemplos da página 305 e 306 privilegiam apenas técnicas, abordando apenas funções elementares e todas contínuas. Os exercícios da página 306 a 308 só privilegiam o uso da técnica para cálculo de integrais imediatas e as funções são  todas contínuas no intervalo de integração. As aplicações práticas  são abordadas nas páginas 308 a 315 (cálculo de áreas e aplicações à Física na parte de Mecânica – deslocamento de uma partícula sobre o eixo 0x). Entre as páginas 316 e 324 o TFC é utilizado na demonstração sobre “mudança de variável”, ou seja, uma aplicação intrínseca à matemática.

Stewart: Sobre a apresentação do TFC, a contextualização é feita através de texto que coloca a inter-relação entre a Derivada e a Integral, além de um dado histórico que atribui a Isaac Barrow a descoberta da relação entre o problema da reta tangente e o problema da área. A contextualização é feita também através da introdução da função integral para motivar a apresentação do TFC. São usados gráficos para que o leitor se convença de que a diferença entre as áreas é aproximadamente a área do retângulo h.f(x)). O TFC parte do caso particular de funções contínuas – não coloca casos mais gerais relativos à função ser integrável e possuir uma primitiva e nem casos de descontinuidades finitas. O autor faz referência (pelo menos três vezes no texto) sobre a Derivada e sua inter-relação com a Integral no que diz respeito ao TFC. Quanto às aplicações, elas são bem diversificadas. Exploram tanto a parte prática (na página 404 e 405 escreve sobre várias aplicações) como a parte que se refere à própria matemática (usa o TFC para demonstrar outros resultados, por exemplo, a regra da substituição e cálculo de áreas). Os exercícios são bem diversificados, vão desde cálculos e aplicações de técnicas às aplicações práticas. Poucos exercícios ou quase nenhum privilegiam a demonstração.


Moise: Analisando a apresentação do TFC quanto aos critérios estabelecidos na página 6, a contextualização não existe – o autor apenas demonstra o TFC. No texto da página 250 apenas coloca “versatilidade do método”, “aplicação do método”, ou seja, sugere novamente que o texto privilegia basicamente o uso de técnicas. O autor coloca apenas casos particulares de funções contínuas. Não escreve sobre funções integráveis que possuem primitivas ou funções com descontinuidades finitas – não explicita condições de existência da primitiva. Com relação à referência sobre a Derivada e sua inter-relação com a Integral, o autor não chama a atenção para essa inter-relação. A demonstração do TFC parte da função área f (x) = integral de f (t) dt e do conhecimento de que f ' (x) = f (x). Utiliza o fato de que duas primitivas de f diferem por uma constante, além de substituir os limites de integração por “a” (pois F(a) = 0) e por “b” (no limite superior). Quanto às aplicações, o autor coloca apenas aquelas relativas à própria matemática (o que chamamos de aplicações intrínsecas à matemática), ou seja, utiliza o TFC apenas para demonstrar outros teoremas e para obtenção de primitivas (aqui há um excesso de exercícios). O objetivo dos exercícios é aprimorar a técnica de integração. Os exemplos também primam por esse caminho.


Segunda parte – critérios através dos registros de representação semiótica de Raymond Duval

Lima: A demonstração é colocada, predominantemente, no registro simbólico algébrico. Em algumas partes o autor escreve palavras e não símbolos da lógica. Em uma primeira análise percebemos que o texto sugere pouco a coordenação entre os registros de representação, ocorrendo basicamente entre o registro simbólico algébrico e o registro em língua natural. A coordenação entre os registros gráfico e algébrico só é sugerida no exemplo 8 (página 255).

Guidorizzi: Em uma primeira análise, notamos que a coordenação dos registros é explorada na apresentação do TFC apenas nos registros algébrico e em língua natural. Já os exemplos e os exercícios privilegiam os registros algébrico e gráfico. Não existem conversões do tipo não-congruente (passagem de um registro ao outro de forma não espontânea, não natural). Apesar do autor utilizar dois registros pelo menos, o texto não ressalta muito a importância da coordenação entre os registros de representação.

Stewart: Uma primeira análise evidencia que a apresentação do TFC é marcada basicamente pela coordenação entre os registros algébrico (predominante) e língua natural. Os registros gráficos são utilizados em partes das demonstrações. As conversões basicamente são do tipo congruente, e não existem conversões do tipo não-congruente (passagem de um registro ao outro de forma não espontânea, não natural), nem nos exemplos. Os exercícios são variados e carecem de melhor análise.

Moise: Através dessa primeira análise, notamos que a coordenação entre os registros de representação são evidenciadas apenas na apresentação do TFC, antes mesmo dele ser enunciado. Não verificamos conversão do tipo não-congruente. Os exemplos e exercícios não sugerem a utilização do registro gráfico e nem em língua natural (com uma exceção na página 267 – que sugere o registro gráfico em seu enunciado e o registro em língua natural em sua resolução). Os tratamentos são feitos basicamente através do registro de representação algébrico.

Esta é uma primeira apreciação dos livros. A partir destas, vamos fazer uma análise minuciosa no que diz respeito aos critérios (indicadores) estabelecidos.

CONCLUSÕES

As primeiras análises dos livros, relativas às diferenças fundamentais que são evidenciadas no enfoque dado por diferentes autores, relativo ao Teorema Fundamental do Cálculo, revelam que Lima e Guidorizzi trazem uma contextualização apenas intrínseca à própria matemática. Os dois textos partem de casos gerais (funções integráveis, segundo Riemann) para casos particulares (funções contínuas), quase nem tratados por Lima. Referente a condições de existência da Integral, Lima e Guidorizzi apresentam funções integráveis que possuem primitiva. No que tange à continuidade e à integrabilidade, Lima não expõe apenas essa questão como também aborda a mesma de uma forma mais detalhada e explicita no texto. Já Guidorizzi não aborda essa questão na apresentação do TFC, não as diferencia, apenas escreve que no apêndice provará que toda função contínua é integrável. Ambos os autores não fazem comentários ou referência sobre a inter-relação Derivada e Integral como operadores inversos. Sobre as demonstrações, partindo da definição de Integral como limite de uma soma (no caso de Guidorizzi) e de Integral como igualdade entre somas superiores e somas inferiores (no caso de Lima), ambos utilizam a noção de partição de um intervalo e o Teorema do Valor Médio. Referente ás aplicações do TFC, Lima trata apenas daquelas intrínsecas à própria matemática, que são relativas à demonstração de outros teoremas. Guidorizzi por sua vez, trata em seu texto, também das aplicações intrínsecas à matemática, mas diferentemente de Lima, trata daquelas para a obtenção da primitiva, cálculo de áreas e/ou volumes. Guidorizzi aborda também aplicações à Física dos movimentos. Por último, no diz respeito aos exemplos e exercícios, Lima privilegia demonstrações, sendo que nenhum utiliza técnicas de integração (obtenção de primitiva e cálculo). Já em seu livro, Guidorizzi faz predominar técnicas (obtenção de primitivas e cálculo da Integral) utilizando apenas funções contínuas.
Stewart contextualiza as noções relativas ao TFC por meio de um pequeno texto que ressalta sobre a inter-relação entre a Derivada e a Integral. Escreve uma nota histórica e introduz o assunto através da função integral (área). Moise, no que diz respeito à contextualização, introduz a Integral e o TFC em forma de ‘espiral’, ou seja, as idéias mais difíceis são apresentadas em ordem crescente de dificuldade, generalidade e exatidão. Essa contextualização, entretanto, é intrínseca própria matemática, ou seja, não trás rudimentos da história e nem apresenta o assunto por meio de resolução de problemas. Os dois textos (Stewart e Moise) introduzem o TFC a partir de casos particulares (funções contínuas), não mencionando grupos mais gerais de funções (integráveis). No que tange a condições de existência da Integral, ambos os textos não tratam sobre essas condições, ou seja, os autores não ‘dão pistas’ para que o assunto seja percebido – o que existe são apenas funções contínuas. Referente à continuidade e Integrabilidade, ambos se restringem, como já foi escrito, às funções contínuas. Vale ressaltar que Stewart, em apenas um exemplo (pág 397, ex.: 8), apresenta uma função descontínua em um intervalo. Com relação à conexão entre a Derivada e à Integral, Stewart (pelo menos três vezes) faz referência, explicitando essa inter-relação (operações inversas). Moise não escreve sobre essa inter-relação, apenas apresenta tabelas de primitivas que sugerem tal relação. Sobre a demonstração do TFC, Stewart apresenta: parte1: utiliza as propriedades da integral, as propriedades dos limites e o teorema do confronto; e parte 2: utiliza o fato de que duas primitivas de f diferem por uma constante, usa a parte 1 do TFC, além de substituir os limites de integração por “a” (pois, F(a) = 0) e por “b” (no limite superior). Em Moise, o TFC não vem apresentado em ‘duas partes’, mas é praticamente idêntica à forma mostrada por Stewart na parte 2. Em seguida, relativamente às aplicações, Stewart apresenta-as de forma diversificada. Exploram tanto a parte de resolução de problemas, como a parte que se refere à própria matemática. Moise, por sua vez, mostra aplicações intrínsecas à matemática (obtenção de primitivas e cálculo da Integral). Referente aos exemplos e exercícios, Stewart os apresenta de forma bem diversificada, vão desde cálculos e aplicações de técnicas às aplicações práticas. Alguns exercícios privilegiam a demonstração. Em Moise, os exemplos e exercícios objetivam a utilização das técnicas de integração.
Apresentamos agora conclusões superficiais (a pesquisa está em andamento) no que se refere à coordenação dos registros de representação semiótica. Essa coordenação é explorada pelos autores na apresentação do TFC?
Lima utiliza o registro algébrico predominantemente. Emprega o registro língua natural na apresentação do TFC. O livro é indicado para alunos que já possuem um curso inicial de cálculo, talvez por isso o autor quase não recorra ao registro gráfico. Apesar disso, o autor propicia a coordenação dos registros algébrico (neste ele faz os tratamentos) e língua natural como registro de representação auxiliar. Guidorizzi faz uso do registro algébrico predominantemente. O registro gráfico é não é explorado na apresentação do TFC. O autor não propicia a coordenação dos registros na apresentação, nos exemplos e também nos exercícios. Stewart utiliza os registros algébrico, gráfico e língua natural em proporções mais parecidas. Propicia a coordenação dos registros de representação. Emprega o registro algébrico para os tratamentos e o registro gráfico como auxiliar. Moise emprega os registros simbólico algébrico, figural gráfico e língua natural proporcionalmente. O autor faz os tratamentos no registro algébrico e utiliza a língua natural e o registro gráfico (em menor proporção)  como registros auxiliares para propiciar a coordenação dos registros.

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