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“Ciências Exatas Contemporâneas”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Disponível
em http://cienciasexatascontemporaneas.blogspot.com.br/
Autoria:
Samuel
Macdowell. Físico, professor da Universidade de Yale (EUA) e
professor-visitante do IEA em 1988.
INTRODUÇÃO
As
ciências da natureza e, particularmente, as ciências exatas começaram a
adquirir características próprias, que as diferenciam da filosofia, das
humanidades e hoje também das ciências sociais, a partir do século XVII,
devido, principalmente, à influência de Galileu e de Newton e de suas posições
em defesa de um pensamento científico independente e de uma metodologia
própria.
Em
virtude destas características e do rápido desenvolvimento que tiveram, as ciências
passaram a ocupar uma posição importante e, em certas épocas e circunstâncias,
por vezes central na construção da sociedade e na evolução da cultura e do
pensamento.
Não
pretendo focalizar, em maior profundidade, a história do desenvolvimento da
ciência e do pensamento científico; limitar-me-ei a apontar algumas das
características que marcaram, desde o início, a concepção que tinham da nova
ciência os próprios cientistas, sobretudo aqueles que mais contribuíram para
sua construção.
As
ciências exatas, isto é, as ciências físicas surgiram com base em precisas
observações astronômicas de Ticho Brahe e da introdução, por Galileu, do método
experimental como seu alicerce. Suas investigações levaram à formulação do
princípio da inércia como fundamento da cinemática. A filosofia natural, que as
precedeu, procurava entender e explicar os fenômenos naturais de um modo
essencialmente qualitativo.
Entretanto,
utilizando as precisas medidas astronômicas de Ticho Brahe, Kepler descobre que
os planetas movem-se em torno do Sol de acordo com certas leis que podem ser
enunciadas rigorosamente em termos matemáticos. A partir de então, a descrição
dos fenômenos naturais, pela nova ciência, toma um caráter quantitativo.
A
primeira grande síntese da ciência física deve-se ao gênio incomparável de
Isaac Newton (1642-1727), que formulou as leis gerais da
mecânica ao mesmo tempo que descobria a grande lei da atração universal
gravitacional, que explicam não apenas as leis de Kepler, mas também fenômenos
aparentemente tão diversos como a queda dos corpos, o movimento do pêndulo, o
movimento da Lua em torno da Terra e o fenômeno das marés.
Aqui
ficam já esboçadas três características de metodologia das ciências exatas.
Primeira: a observação do fenômeno e utilização do método experimental para
medir grandezas que podem ser quantificadas. Segunda: a formulação de
hipóteses, modelos, leis e, finalmente, teorias e princípios que interpretam os
fenômenos naturais usando uma linguagem matemática precisa. Terceira: que das
leis teóricas assim formuladas podem-se deduzir previsões a respeito de novos
fenômenos que podem ser testadas por meio de medidas experimentais.
Portanto,
a metodologia científica envolve, em geral, um ciclo que se inicia por
observações e medidas experimentais; estas conduzem à formulação de um modelo
ou de uma teoria expressa em linguagem matemática, da qual podem-se extrair
previsões sobre novos fenômenos que, se confirmadas, justificam a validez da
teoria (dentro de certos limites de aplicabilidade).
Por
outro lado, os cientistas concebem as ciências da natureza como uma atividade
intelectual cujo objetivo é descobrir e entender as leis que regem os fenômenos
naturais. Ao contemplar a natureza, o cientista é movido pela curiosidade de
desvendar seus segredos, usando, para isso, métodos experimentais engenhosos e
muitas vezes originais e procurando entendê-los em termos genéricos,
correlacionando, por meio de leis ou princípios gerais, fenômenos aparentemente
bem diversos.
A
ciência da natureza, a ciência pura, tem um valor intrínseco estético que
deriva da própria descoberta e apreciação do fenômeno novo, das correlações
entre fenômenos analisados à luz de princípios simples e sintéticos.
A
contribuição da ciência para a humanidade se situa primariamente no plano da
cultura.
Os
cientistas entendem que a ciência é universal e deve ser difundida sem
preocupação de fronteiras, de vantagens pessoais ou das instituições que a
promovem. Os resultados das pesquisas científicas são publicados em revistas
especializadas de livre circulação ou difundidos em congressos, freqüentemente
de âmbito internacional, sobretudo na era moderna. As atas das academias de ciência,
com transcrição dos trabalhos e comunicações submetidos em suas reuniões, são
tornadas públicas e podem ser livremente usadas por qualquer pesquisador.
Este
caráter universal da ciência pura, os cientistas vêm, ao longo da história,
esforçando-se zelosamente por preservar através de colaboração e intercâmbio
internacional e da livre troca de informação científica.
Historicamente,
as universidades, como centros de transmissão de conhecimentos, livre discussão
e circulação de idéias e propagação da cultura, tornaram-se veículos por
excelência das atividades científicas, proporcionando o ambiente e mentalidade
necessários para o florescimento das ciências.
CIÊNCIA
E TECNOLOGIA
Além
de sua contribuição à cultura, o desenvolvimento científico propiciou
importantes avanços tecnológicos, que tiveram profundas conseqüências e
repercussões sociais e também um grande impacto na relação do homem com o meio
ambiente.
Por
tecnologia entendo, aqui, a atividade de criação dos meios de utilização de
recursos naturais em proveito do homem e da sociedade.
Alguns
importantes avanços tecnológicos resultaram de inventos e descobertas
individuais isoladas, extremamente inteligentes e engenhosas, não-relacionadas,
diretamente, a um desenvolvimento científico. Entretanto, mais
sistematicamente, os progressos da tecnologia são fruto da aplicação de
conhecimentos científicos.
Embora
distintas, principalmente quanto a seus objetivos, ciência e tecnologia estão
estreitamente correlacionadas e cada vez mais interdependentes.
Este
entrelaçamento entre ciência e tecnologia, não creio que seja meramente
ocasional e acidental. A ciência, por sua natureza experimental, necessita de
aparelhos e instrumentos de medida cada vez mais sofisticados e precisos.
No
passado, estes aparelhos e instrumentos eram freqüentemente inventados pelos
próprios cientistas, cujo trabalho era predominantemente individual. Avanços e
novas descobertas, na área experimental, freqüentemente resultaram da
introdução de novas técnicas de instrumentação e de medida. Estas técnicas,
produzidas e testadas nos laboratórios de pesquisas científicas, são
posteriormente utilizadas no desenvolvimento tecnológico. Por outro lado,
avanços na tecnologia permitem a construção de aparelhagens científicas mais
sofisticadas, com as quais novas fronteiras da ciência vão sendo abertas.
Citarei
alguns exemplos através da história, que ilustram esta relação. A descoberta da
máquina a vapor (Watts, 1779) teve como fundamento teórico a lei de
Boyle-Mariotte de expansão dos gases. Ela precedeu o aparecimento da
termodinâmica no início do século XIX, cujos princípios gerais foram formulados
a partir da contribuição pioneira de Sadi Carnot, um engenheiro, e das
pesquisas de Joule, demonstrando a equivalência entre quantidade de calor e
trabalho mecânico. O advento desta ciência serviu de base para inúmeras
aplicações da máquina a vapor, que se tornou instrumento decisivo no
desencadeamento da Revolução Industrial.
Os
progressos na compreensão dos fenômenos eletromagnéticos, sobretudo devido à
contribuição de Faraday (mas também de muitos outros como Coulomb, Volta,
Ampère, Biot e Savart, Gauss etc.), e que culminaram com a completa formulação
da teoria por James Clerk Maxwell, foram responsáveis pelo enorme avanço
tecnológico que resultou da utilização da corrente elétrica e de campos
magnéticos em geradores e motores elétricos, dínamos, alternadores,
transformadores e pela emergência da energia elétrica com a construção das
centrais elétricas e das linhas de transmissão.
Posteriormente,
a descoberta das ondas hertzianas vinha confirmar a previsão da teoria de
Maxwell e permitiu um novo meio de comunicação através da telegrafia e, com a
invenção do diodo, da radiodifusão.
No
início do século XX, ocorrem na física duas grandes revoluções que vão dominar
a evolução desta ciência durante todo o século." A primeira, a Teoria da
Relatividade, de Einstein, a Relatividade Especial (1905), que modifica os
fundamentos da Mecânica Newtoniana e a própria noção de espaço e tempo, e a
Relatividade Geral (1915), que reformula a Teoria da Gravitação, atribuindo-a a
propriedades geométricas do espaço, adquiridas pela presença de matéria ou
energia. A segunda, a Mecânica Quântica, de Heisemberg e Schrodinger (1910),
que reinterprete a mecânica em termos probabilísticos em contraposição ao
determinismo da Mecânica Newtoniana (Princípio de incerteza, de Heisemberg). Em
1925, Dirac formula a Teoria Quântica do Elétron, prevendo a existência das
antipartículas. Desenvolvem-se a física atômica e molecular, a mecânica
estatística e a física do estado sólido e, a partir da Segunda Guerra Mundial,
a eletrônica, a física nuclear, a ótica quântica, e a física das partículas
elementares.
Algumas
descobertas importantes tiveram enormes conseqüências para o progresso tecnológico:
supercondutividade, semicondutores, transistores, microondas, cavidades
ressonantes, guias de ondas, lasers, ressonância nuclear magnética, fissão
nuclear e fusão nuclear.
Uma
nova ciência, a ciência da informática, é criada como fruto do avanço
tecnológico na acumulação e processamento de informação em pastilhas
semicondutoras de silício e na eletrônica dos circuitos integrados.
A
física de partículas elementares segue uma direção que se distancia bastante da
física experimental praticada nos laboratórios das universidades. Para
investigar o substrato mais primitivo da matéria em domínios de dimensão cada
vez menores torna-se necessário construir grandes aceleradores com diâmetro de
vários quilômetros e capazes de acelerar partículas até energias cada vez mais
altas, da ordem de bilhões e até um trilhão de Electron-Volts.
Estes
laboratórios não são mais construídos e manejados por um pequeno grupo de
cientistas. Eles requerem um esforço nacional, com um orçamento enorme, de
muitos milhões de dólares, e até mesmo de grandes colaborações internacionais.
Sua
construção é projetada por desenhistas e engenheiros especializados, e um corpo
permanente de engenheiros e técnicos é utilizado no seu funcionamento. O Centre
Européen pour la Recherche Nucleaire (CERN), que é hoje o maior laboratório de
pesquisas em física de partículas elementares, mantém um corpo de técnicos e
engenheiros de mais de 2 mil pessoas, o que é numericamente superior ao seu
corpo científico. Uma experiência, cujo projeto e execução duram vários anos,
envolve a colaboração de um número enorme de pesquisadores, mais de uma
centena, provenientes de um grande número de laboratórios e centros de pesquisa
de vários países.
Os
objetivos primários desses grandes laboratórios permanecem orientados para a
ciência pura e para a descoberta de novos fenômenos elementares na fronteira da
física. Entretanto, não só a interdependência entre ciência e tecnologia
torna-se cada vez mais estreita, mas também a canalização de recursos públicos
para financiamento de tais projetos atinge proporções muito mais elevadas.
INTEGRAÇÃO
DA CIÊNCIA NO BEM COMUM SOCIAL
Em
virtude da ligação cada vez maior entre progresso científico e desenvolvimento
social, cabe aos cientistas indagar com mais freqüência e de modo mais crítico
e sistemático sobre a utilização da ciência e dos resultados de suas pesquisas.
Creio
que há evidência contundente em favor do argumento de que os investimentos
públicos em pesquisa científica têm tido um retorno bastante compensador em
termos da utilização para o bem-estar social dos progressos científicos
obtidos. Por outro lado, creio também que se pode questionar, não somente
quanto à aplicação de conhecimentos científicos com finalidades destrutivas ou
nocivas à humanidade e à natureza, mas também quanto à distribuição destes
benefícios entre diferentes setores da sociedade.
Considerarei
aqui, em particular, quatro aspectos do relacionamento da ciência com a
sociedade que, a meu ver, requerem a atenção e a reflexão do cientista:
1)
Aplicação da ciência com fins militares;
2)
Impacto do avanço tecnológico e industrial no meio
ambiente;
3)
Distribuição dos benefícios resultantes do progresso
científico e tecnológico;
4)
Difusão da ciência e o problema da educação.
1. Aplicação da ciência com fins militares
1. Aplicação da ciência com fins militares
Em
todas as épocas da historia da humanidade, grupos sociais utilizaram seus
conhecimentos e compreensão de fenômenos naturais com fins militares, para a
construção de poderosas armas de guerra e artefatos de destruição. Entretanto,
a descoberta dos armamentos nucleares introduz uma mudança qualitativa no
equacionamento do problema da convivência entre nações e da resolução de
conflitos pelas armas.
Isto
porque, mesmo que o uso de bombas nucleares seja dirigido a alvos militares, as
conseqüências de explosões nucleares estendem-se muito além do local do alvo e
por muito tempo após a explosão, de modo a causar severos e irreparáveis danos
à população civil e ao meio ambiente. Por outro lado, o uso maciço de
explosivos nucleares, por uma ou mais das grandes potências, quaisquer que
sejam os objetivos, terá conseqüências tão funestas e catastróficas para a humanidade
que sua própria sobrevivência ficará ameaçada.
Diante
desta realidade, os cientistas do mundo inteiro não se podem furtar à
responsabilidade de assumir posições firmes e definidas contra quaisquer
tentativas de expansão da corrida armamentista e a favor de medidas que
conduzam a uma redução dos arsenais nucleares e da ameaça de uma conflagração
nuclear. Devemos empenhar nossos esforços no sentido de que sejam banidos, por
consenso universal, o uso, a fabricação e o armazenamento de armas nucleares,
assim como já foi banido, por comum acordo entre as nações, o uso da guerra
bacteriológica.
Instituições
especificamente científicas, que se mantiveram no passado à margem do debate
político, diante da nova situação criada pela assustadora acumulação de armas
nucleares, já se inclinam a tomar posições com respeito a decisões políticas
relativas à promoção de pesquisas científicas com objetivos militares,
particularmente com referência a armamentos nucleares.
Em
particular, há uma crescente preocupação nos meios científicos quanto à
utilização de recentes progressos científicos e tecnológicos (por exemplo,
lasers) com a finalidade de proporcionar aperfeiçoamentos qualitativos em
sistemas armamentícios de tal monta, que possam desencadear um sério desequilíbrio
de poder (por exemplo, a "Strategic Defense Initiative") e um
recrudescimento da corrida armamentista.
2.
Impacto do avanço tecnológico e industrial no meio ambiente
As
descobertas da fissão e, posteriormente, da fusão nuclear são exemplos
característicos de desenvolvimento científico com profunda repercussão social e
impacto sobre o meio ambiente. Além de sua utilização para fins militares, da
qual já falei, elas proporcionam uma nova fonte de produção de energia para
fins pacíficos e humanitários, que, principalmente com referência à fusão
nuclear, é potencialmente de imensa valia.
Entretanto,
a implementação da tecnologia nuclear envolve sérios riscos e problemas que não
estão ainda satisfatoriamente resolvidos. No planejamento e funcionamento de usinas
nucleares, o fator segurança deve merecer absoluta prioridade. Isto porque, de
um acidente num reator nuclear, pode resultar extensa contaminação de águas
fluviais ou liberação e propagação na atmosfera de isótopos radioativos de vida
longa, que podem causar grandes danos à população das áreas atingidas. Os
acidentes no reator nuclear de Chernobil, na União Soviética, e com o reator de
Three Mile Island, nos Estados Unidos, são evidencias desse perigo.
Outra
consideração importante no aproveitamento da energia nuclear é a questão da
disposição do chamado lixo nuclear, isto é, dos isótopos radioativos de vida
muito longa produzidos no processo de fissão do combustível nuclear.
Estas
questões, é claro, têm sido objeto de intensos estudos e debates.
Não
sou um especialista neste assunto, mas, ao focalizá-lo aqui, meu objetivo é o
de chamar atenção para a existência desses problemas e da responsabilidade dos
cientistas, sobretudo aqui no Brasil, de alertar e informar objetivamente a
população e os poderes públicos, para que sejam devidamente e criteriosamente
considerados quando se inicia a implantação de tecnologia nuclear no País.
O
problema da alteração e contaminação do meio ambiente é, porém, muito mais
geral e está se tornando um efeito cada vez mais nocivo e perigoso do
desenvolvimento industrial e tecnológico. A poluição química dos rios,
sobretudo nos centros industriais e urbanos, é motivo de grande preocupação por
representar ameaça para a qualidade de vida e para o equilíbrio ecológico.
No
Brasil, parece haver, ainda, pouca regulamentação e controle por parte do setor
público a respeito da destruição e poluição do meio ambiente, causada pelo
desenvolvimento industrial ou mesmo agrícola. Acho muito importante que sejam
feitos maiores investimentos na pesquisa de avaliação e de meios de saneamento
de processos e métodos industriais e tecnológicos prejudiciais ao meio
ambiente.
Além
da questão da poluição do meio ambiente, também creio que se deve chamar a
atenção para o uso desmedido e predatório de riquezas naturais e sua eventuais
conseqüências. Aqui no Brasil, o problema do desmatamento imoderado e
desordenado da floresta amazônica parece a mim merecer atenção especial.
3.
Distribuição dos benefícios resultantes do progresso científico e tecnológico
A
terceira questão que propus a respeito do relacionamento entre progressos
científicos e bem-estar social refere-se à distribuição dos benefícios advindos
desses progressos, seja entre diversos setores e classes sociais, seja entre
países em diferentes estágios de desenvolvimento e industrialização.
Inicialmente,
convém indagar se, de fato, o progresso científico tem de um modo geral
contribuído para o bem-estar social e de que maneira se dá esta contribuição.
A
resposta à primeira pergunta, parece-me ser claramente afirmativa, embora
possam ser levantadas inúmeras qualificações.
De
um modo geral, o progresso tecnológico tem permitido aumentar o rendimento do
trabalho humano, melhorar as condições de trabalho e substituir o esforço
físico do homem ou da mulher pelo trabalho mecânico da máquina.
Na
área da saúde, importantes descobertas permitiram o controle de epidemias
através da vacinação, e considerável redução nos índices de mortalidade,
sobretudo a partir das descobertas dos antibióticos.
Nos
países onde programas de saúde são acessíveis à população, a vida média das
pessoas tornou-se bem mais longa.
Os
aperfeiçoamentos nos métodos de produção de alimentos, quer seja na agricultura
ou na pecuária, têm permitido sustentar populações cada vez mais numerosas.
Este
fator, juntamente com uma redução da mortalidade infantil e o controle de
epidemias são responsáveis por um crescimento exponencial de população no mundo
inteiro e, paradoxalmente, sobretudo nos países menos desenvolvidos.
Por
outro lado, há ainda, no mundo de hoje, condições de vida, em muitos países,
verdadeiramente subumanas, de extrema miséria, de subnutrição, de incidência
endêmica de enfermidades, de altos índices de mortalidade infantil.
Estas
condições são encontradas principalmente em países que só recentemente
emergiram do colonialismo, ganhando independência política depois da Segunda
Guerra Mundial, mas também em quase todo o hemisfério sul, incluindo a maioria
dos países da América Latina.
No
caso do Brasil, em particular, houve um surto de progresso tecnológico e
industrial nos últimos 20 anos, mas, infelizmente, segundo dados estatísticos
das Nações Unidas, foi em nosso país onde mais se acentuaram a concentração de
riqueza e as diferenças sociais entre aqueles que se beneficiam do progresso e
aqueles que vivem à margem dele, não somente sem recursos para participar da
economia e beneficiar-se do desenvolvimento do País, mas lutando apenas pela
sobrevivência em condições precárias e desumanas.
É
claro que se deve esperar que os benefícios derivados do progresso científico
sejam principalmente canalizados para os países mais desenvolvidos, que, com
maior capacidade técnica e econômica, mais investem na pesquisa científica e,
conseqüentemente, se mantêm na liderança do progresso tecnológico de fronteira.
Além disso, também as necessidades de uma sociedade mais moderna e evoluída
são, sem dúvida, maiores e mais discriminativas do que as de uma sociedade num
estágio menos avançado de desenvolvimento.
Entretanto,
pode-se constatar que, até dentro de uma mesma nação, os benefícios do
progresso não são distribuídos de maneira mais ou menos equitativa. Em certos
casos, esta distribuição torna-se mesmo bastante injusta, com uma grande
acumulação de benefícios para pequenos setores sociais, em detrimento da grande
maioria da população. Esta distribuição iníqua de recursos tem causado um
agravamento de desnível cada vez mais acentuado entre as classes nos níveis
mais altos da escala social e as nos níveis mais baixos.
Esta
disparidade que, como já mencionei, existe no nosso país, parece ser maior nos
chamados países em desenvolvimento ou mesmo em países mais pobres do Terceiro
Mundo.
4.
Difusão da ciência e o problema da educação
Diante
desta constatação, creio que devemos refletir sobre como nós, cientistas e
universitários em geral, poderíamos contribuir para um progresso que resulte
numa distribuição mais equitativa de benefícios entre nações e entre vários
setores da população.
Eu
penso que é útil iniciar esta reflexão procurando discernir em que direção vai,
provavelmente, caminhar a ciência, quais áreas de investigação serão dominantes
e que impacto social deverá ser esperado.
Em
primeiro lugar, considerarei algumas perspectivas na física.
Na
área de física experimental de partículas elementares, as atividades de
pesquisa de fronteira têm lugar, como já mencionei, em grandes laboratórios
onde se encontram gigantescos aceleradores.
O
mais avançado acelerador atualmente em construção, o LEP, no CERN, tem por
objetivo a produção em grande escala dos mésons vetoriais Z (partículas
mediadoras das interações fracas, cuja existência foi prevista pela Teoria de
Calibre unificada das Interações Fracas e Eletromagnéticas). Deverá produzir
resultados predominantemente de sistematização, mas também poderá ocorrer
alguma nova descoberta que contribua para elucidação de problemas centrais da
física de partículas, como, por exemplo, o mecanismo de quebra espontânea de simetria,
ou talvez evidência de supersimetria.
A
próxima estapa seria o SSC
"Superconducting Super Collider", cujo projeto já foi aprovado pelo
governo americano. Provavelmente, os europeus, aproveitando as instalações do
CERN, construirão uma máquina semelhante. Esta duplicação de esforços,
parece-me desnecessária. Em virtude do custo excessivamente alto de construção
e funcionamento de tais aceleradores, acredito que um único projeto de
colaboração internacional seria mais recomendável.
Um
projeto deste porte dá origem a um grande número de inovações tecnológicas. Não
obstante, acredito que se deve avaliar cuidadosamente se o retorno, que deste
tipo de investimento pode-se realisticamente esperar, justifica o seu custo e
utilização de recursos.
A
comunidade científica nos Estados Unidos está bastante dividida a este
respeito. Em particular, os físicos da área de física do estado sólido opõem-se
ao projeto, alegando que desviará uma parcela demasiado alta de recursos, com
prejuízo para outros projetos talvez mais promissores e menos custosos.
No
Brasil, obviamente, não se cogita de construção de aceleradores de tal porte.
Há, porém, projetos de construção de aceleradores menores, aos quais se aplicam
estas considerações de custo-benefício. Além disso, para o sucesso de um
projeto dessa natureza é importante que, em primeiro lugar, haja um número
suficiente de pessoas treinadas para utilizar efetivamente a máquina e, em
segundo lugar, é recomendável que, na medida do possível, seja usada na sua
construção tecnologia própria, mesmo que isso acarrete certo atraso na execução
do projeto. Por outro lado, o País pode manter uma atividade de fronteira neste
campo através de projetos de colaboração internacional com os grandes
laboratórios.
Um
projeto desta natureza, já funcionando com sucesso, é o que foi estabelecido
entre o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, e o Fermi
National Laboratory, nos Estados Unidos. Outro projeto semelhante está sendo
iniciado entre o CERN e as universidades Católica e Federal do Rio de Janeiro.
Este projeto, aliás, tem, além do mais, o atrativo de envolver uma colaboração
Brasil-Portugal, pois a nossa participação será feita através do grupo
português com acesso ao CERN, em virtude da condição de país-membro, recentemente
conferida a Portugal.
A
colaboração internacional em projetos de pesquisa científica, que está sendo,
cada vez mais, promovida na Europa, deve servir de exemplo e paradigma para
nós, aqui, na América Latina. Este exemplo europeu sugere que maior colaboração
e integração entre os países da América Latina, quer no plano econômico, quer
no plano cultural, seria muito benéfica para o nosso desenvolvimento. Na área
da física, há já em funcionamento o Centro Latino-Americano de Física (CLAF),
cuja finalidade principal tem sido de concessão de bolsas de pós-graduação e de
estágios de pesquisadores. Instituições como esta devem ser incentivadas e
dinamizadas. Porém, podemos ir mais adiante e estudar a possibilidade de
criação de centros de pesquisas latino-americanos.
A
física do estado sólido e da matéria condensada é uma área em que tem havido
importantes descobertas e que vem progredindo muito rapidamente. Um fenômeno
novo importante foi recentemente descoberto, a supercondutividade a altas
temperaturas, cujos fundamentos teóricos não são ainda conhecidos e que
possivelmente terá inúmeras aplicações práticas.
Em
física aplicada, setores que julgo da maior relevância são os de ótica de
lasers, energia solar e semicondutores e microeletrônica. Neste último, tem
havido um desenvolvimento muito rápido, do qual resultou uma verdadeira
revolução no campo das comunicações e da informática. O uso generalizado de
computadores e servomecanismos tem conseqüências sociais bastante radicais. O
mercado de trabalho é grandemente afetado e continuará sendo cada vez mais
alterado por inovações no terreno da informática. Haverá uma grande necessidade
de treinamento de pessoal de modo a capacitá-lo a atuar nesta área.
Nas
ciências biológicas, antecipa-se um grande progresso na biologia molecular. A
descoberta da estrutura molecular do DNA, que possibilitou a compreensão do
código genético, serviu de ponto de partida para introdução, em biologia, de
novos métodos cujas conseqüências, sobretudo no campo da genética, podem ser
tão profundas que suscitem sérias questões de ética e de regulamentação de seu
uso. Por outro lado, abrem-se excelentes perspectivas para utilização de
engenharia genética, sobretudo em produção agrícola.
Todas
estas conquistas científicas irão tendo suas aplicações na sociedade,
acarretando forçosamente grandes mudanças. Embora potencialmente benéficas,
pode, todavia, ocorrer que estas conquistas tornem-se até veículo de maior
desequilíbrio social ao invés de proporcionarem maior bem-estar para todos.
Isto é o que devemos tentar prevenir e evitar. A
meu ver, o que mais necessitamos para chegar a uma distribuição mais equitativa
dos benefícios do progresso é de um investimento maciço em educação.
Educação,
em todos os níveis, mas principalmente nos níveis básicos. Tem-se argüido que,
para tirar o País do atraso e dependência tecnológica em que se encontra, é
necessário investir mais no ensino superior e na pesquisa científica. Concordo
com esses argumentos, mas acho que, para conseguir um desenvolvimento mais
harmonioso e justo, é ainda mais necessário investir na educação de base e no
aprendizado técnico.
Nas
nossas universidades, constatamos que os estudantes chegam a elas muito
despreparados em virtude das deficiências do ensino primário e secundário. Para
corrigir essas deficiências, é preciso melhorar sensivelmente a qualidade dos
professores de ensino médio, principalmente nas áreas de ciência. Para atrair e
manter bons professores no ensino médio e técnico, os salários nestes níveis
devem ser mais compensadores; necessitamos também de um número maior de escolas
para formação de professores para o ensino médio e de escolas técnicas
profissionalizantes.
Especificamente,
com respeito ao ensino científico, sugiro que se dê maior difusão da ciência,
usando meios de comunicação, como a televisão, em programas de divulgação
científica, visando despertar em jovens e crianças a curiosidade pela
investigação da natureza e o interesse pela ciência.
No
Brasil atual, aqueles que chegam ao nível de educação universitária constituem
uma pequena minoria que, sem dúvida, se encontra numa situação de privilégio.
Por isso, é nossa responsabilidade promover a ascensão daquela maioria que não
tem nem a oportunidade do benefício de uma educação secundária e, em certas
regiões do País, até mesmo primária. Paralelamente,
há que considerar a situação da saúde pública no País.
Neste
setor, as universidades podem e devem desempenhar uma função de liderança. Para
isso, deve ser dada prioridade à criação de boas escolas de saúde pública e
enfermagem e devem ser incentivados programas de pesquisa em áreas que mais
afetam a nossa população como sejam doenças tropicais, endemias rurais etc.
Para
que o País atinja um nível de modernidade com participação ampla da população,
precisamos erradicar completamente o analfabetismo, a subnutrição e a
ignorância, de modo que as pessoas possam ter melhores condições de acesso a um
mercado de trabalho que exigirá, cada vez mais, novas aptidões e competências.
Somente
através da educação poderemos tirar da marginalidade grandes setores da
população e prepará-los para que se tornem mais produtivos, participantes e
beneficiários do desenvolvimento do País.
Naturalmente,
estes problemas requerem soluções políticas. É preciso, portanto, que os
políticos estejam bem-informados sobre a posição dos homens de ciência. As
sociedades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), e as associações de classe devem promover o debate a respeito desses
temas e tomar a liderança para esclarecer a opinião pública e os governantes
sobre essas questões que discuti acima e que são especialmente relevantes para
o desenvolvimento social. Estas sociedades, como a SBPC, que, aliás, no Brasil
já estão desempenhando esta função, e sobretudo as universidades, devem estar
preparadas para assessorar o poder público em matéria de política científica e
exercer influência para que estes princípios de aplicação dos conhecimentos e
progressos científicos ao bem comum de toda a sociedade norteiem a ação
política e sejam efetivamente implementados.
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